Jornal do Peninha

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Por que as mulheres ainda são minoria nos espaços de poder?

Paridade ainda é baixa em Goiás e no Brasil 

Samuel Straioto

A baixa representatividade das mulheres nos principais cargos do Executivo, Legislativo e Judiciário reflete um desafio persistente em Goiás e no Brasil. Apesar de avanços, a desigualdade de gênero nesses espaços de poder segue evidente e reforça a necessidade de medidas afirmativas.

Nos últimos anos, o número de prefeitas no Brasil apresentou leve crescimento. Em 2024, 727 mulheres foram eleitas para comandar prefeituras, um aumento de 64 prefeitas em relação ao pleito de 2020. Apesar disso, a presença feminina no comando dos municípios ainda é de apenas 13%. No Legislativo, o cenário não é diferente. Das 37 cadeiras da Câmara Municipal de Goiânia, por exemplo, apenas cinco são ocupadas por mulheres atualmente.

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Plenário da Câmara de Goiânia (Foto: divulgação)


Para a cientista política Camila Vasconcelos, a sub-representação feminina na política brasileira decorre de fatores históricos e culturais. “Mesmo com a legislação prevendo cotas de gênero para candidaturas, ainda encontramos dificuldades estruturais, como a falta de financiamento adequado e o preconceito dentro dos próprios partidos”, analisa.

Baixa representatividade no Congresso Nacional

No Congresso, a desigualdade também persiste. O Brasil ocupa a segunda pior posição em representação feminina na Câmara dos Deputados entre os países do G20, com apenas 14,8% das cadeiras ocupadas por mulheres. Em contraste, o México já atingiu paridade de gênero, com 50% das cadeiras ocupadas por deputadas.


Congresso Nacional (Foto: divulgação)


A falta de políticas públicas eficientes para incentivar a participação feminina e a estrutura partidária majoritariamente masculina dificultam a ascensão das mulheres. Segundo a socióloga Marta Ribeiro, as dificuldades para as mulheres ocuparem espaços no Legislativo estão diretamente relacionadas à estrutura dos partidos.

“Sem um apoio interno sólido, elas acabam recebendo menos recursos e menos tempo de propaganda, o que impacta suas chances de eleição”, destaca.

Tabela: Representação Feminina na Câmara dos Deputados em países do G20

País Representação Feminina (%)
México 50%
Argentina 45%
África do Sul 44%
Brasil 14,8%
Japão 9,7%


Judiciário também reflete desigualdade
No Poder Judiciário, a diferença de gênero se reflete nos tribunais superiores. De acordo com o Censo do Judiciário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), apenas 38% dos magistrados brasileiros são mulheres.

Nos tribunais superiores, a presença é ainda menor: no Tribunal Superior do Trabalho (TST), das 27 cadeiras, apenas sete são ocupadas por mulheres; no Superior Tribunal de Justiça (STJ), cinco de 33; e no Supremo Tribunal Federal (STF), apenas uma mulher, a ministra Cármen Lúcia, compõe a corte.


Cármen Lúcia é a única ministra no Supremo (Foto: divulgação)

A advogada constitucionalista Ana Beatriz Mendes reforça que a sub-representação feminina nos tribunais superiores reflete barreiras institucionais de longa data. “As nomeações para as cortes superiores ainda seguem um padrão que privilegia homens, perpetuando um ciclo de exclusão das mulheres das decisões mais importantes do Judiciário”, analisa.

Tabela: Presença feminina nos tribunais superiores

Tribunal Total de Cadeiras Ocupadas por Mulheres
TST 27 7
STJ 33 5
STF 11 1

 

Representatividade feminina no Judiciário de Goiás
A desigualdade de gênero também é evidente no Judiciário goiano. Segundo dados do último levantamento do Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO), apenas 30% dos magistrados no estado são mulheres. O cenário reflete um padrão nacional de exclusão das mulheres dos cargos mais altos do sistema de justiça.


Tribunal de Justiça de Goiás (Foto: TJGO)

A advogada constitucionalista Ana Beatriz Mendes avalia que a baixa representatividade feminina no Judiciário de Goiás está diretamente ligada à cultura institucional e aos critérios de promoção dentro da magistratura. “As mulheres ainda enfrentam obstáculos estruturais para ascender a posições de maior poder, o que perpetua a desigualdade dentro do sistema de justiça”, afirma.

Nos cargos de desembargadores, as mulheres representam apenas 18% do total de nomeações, evidenciando um gargalo significativo na ascensão profissional. Esse fenômeno ocorre, segundo a especialista em políticas públicas Carla Fontes, devido à predominância masculina nos processos de indicação. “A falta de representatividade feminina nos órgãos decisórios reflete não apenas uma barreira institucional, mas também um viés de gênero que impede o avanço das magistradas”, ressalta.

A fim de minimizar essa disparidade, o Tribunal de Justiça de Goiás adotou a Resolução nº 171/2021, que estabelece ação afirmativa com critério de gênero para o ingresso de magistradas na 2ª instância até que a paridade atinja entre 40% e 60%. Entretanto, ainda não há análise concreta sobre a aplicabilidade da medida, pois desde a publicação da Resolução TJGO nº 247, de 22 de janeiro de 2024, nenhuma vaga foi preenchida pelo critério de merecimento.

Apesar dos avanços normativos, especialistas destacam que a Política para a concretização da igualdade de gênero no Judiciário goiano ainda apresenta resultados limitados. A cientista política Camila Vasconcelos explica que a ausência de prazos e sanções para o descumprimento da resolução compromete sua eficácia. “Sem mecanismos de fiscalização e garantias concretas de implementação, as desigualdades de gênero continuam sendo reproduzidas dentro das instituições”, pontua.

A trajetória da primeira mulher a ingressar na magistratura goiana ilustra os desafios históricos enfrentados. Maria Magdalena Pontes Viannay de Abreu, que entrou para a magistratura em 1949, enfrentou barreiras institucionais e foi aposentada compulsoriamente durante a ditadura militar, evidenciando que a composição igualitária do Judiciário não é apenas uma questão de tempo, mas de políticas afirmativas que impulsionem mudanças culturais na instituição.

Atualmente, a magistratura goiana reflete o cenário nacional. Segundo o 2º Censo do Poder Judiciário de 2023, 59,3% dos magistrados do estado são homens. No 1º grau, 60,58% dos juízes são do sexo masculino, enquanto no 2º grau, esse índice chega a 80,76%. O Tribunal de Justiça de Goiás conta com 450 magistrados, sendo 372 juízes de direito – dos quais 226 (60,75%) são homens e 146 (39,25%) são mulheres – e 78 desembargadores, dos quais 63 (80,76%) são homens e apenas 15 (19,24%) são mulheres.

Os dados demonstram que, embora algumas iniciativas tenham sido adotadas para reverter essa desigualdade, os desafios estruturais e culturais ainda são barreiras significativas para o avanço da equidade de gênero na magistratura goiana. Apenas com medidas mais rígidas e ações efetivas será possível garantir um sistema judiciário verdadeiramente representativo.

O impacto da baixa representatividade feminina 
A ausência de mulheres nos espaços de poder tem consequências diretas para a formulação de políticas públicas e para a representatividade da sociedade como um todo. Quando há poucas mulheres no Executivo, Legislativo e Judiciário, decisões essenciais para a promoção da igualdade de gênero e para a proteção de direitos femininos acabam sendo deixadas em segundo plano.

Pesquisas indicam que países com maior presença feminina nos parlamentos tendem a aprovar mais leis voltadas à equidade salarial, à proteção contra a violência de gênero e ao fortalecimento de políticas sociais. Além disso, a sub-representação feminina limita a diversidade de perspectivas nos debates políticos e jurídicos, o que impacta negativamente a qualidade das decisões tomadas.

A economista Laura Fernandes destaca que a falta de mulheres nos espaços de decisão econômica também impede avanços significativos na redução da desigualdade social. “Quando as mulheres ocupam posições de liderança, há um impacto direto na formulação de políticas mais inclusivas, que consideram as reais necessidades da população feminina e de grupos historicamente marginalizados”, explica.

Portanto, a luta pela igualdade de gênero nos cargos de poder não é apenas uma questão de justiça, mas uma necessidade para o avanço democrático e para o desenvolvimento sustentável do país.

Caminhos para mudança
Diante desse cenário, especialistas defendem a ampliação das políticas afirmativas, como o cumprimento efetivo das cotas de gênero nos partidos, o fortalecimento de redes de apoio às mulheres candidatas e o incentivo à presença feminina em espaços de liderança.

Também é essencial uma reforma estrutural no sistema político e jurídico que elimine barreiras institucionais que dificultam o acesso de mulheres a cargos de poder.

Além disso, organizações da sociedade civil vêm pressionando por maior transparência na distribuição dos fundos partidários e por incentivos concretos à participação feminina, como cotas para mulheres em cargos de liderança dentro dos próprios partidos.

Segundo a especialista em políticas públicas Carla Fontes, “a criação de mecanismos que garantam financiamento e tempo de TV igualitário para candidatas é fundamental para ampliar a presença feminina na política”.