Jornal do Peninha

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Representatividade feminina na política ainda é caminho longo no Brasil

Mulheres são minoria em cargos eletivos

Ludymila Siqueira
As mulheres representam mais de 51,5% da população brasileira. Também somam mais de 81,8 milhões de eleitoras, o que equivale a 52,47%, enquanto os homens representam 47,51% do eleitorado no Brasil. Assim sendo, por que quando se trata de representatividade feminina na política a história muda? Uma pergunta que se projeta ao longo da história e, aos poucos, essa realidade vai mudando de forma completamente tímida. Seja no Legislativo ou no Executivo, as mulheres continuam a ser minoria nos espaços de decisão, e ainda precisam lutar, todos os dias, por voz, respeito, direitos e igualdade de espaço.
Ao analisar as eleições municipais de 2024, esse cenário se revela de forma clara, embora apresente certo avanço. Das 26 capitais brasileiras e da Capital Federal, apenas Aracaju (SE) e Campo Grande (MS) elegeram mulheres para o Executivo municipal. Nos 5.569 municípios brasileiros, 727 prefeituras são comandadas por mulheres em 2025. São 64 prefeitas a mais do que em 2020, quando foram eleitas 663 mulheres, o que representa um aumento de um ponto percentual, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral.
Ainda na corrida municipal de 2024, das 58,3 mil vagas para as Câmaras Municipais, 10,6 mil (18,24%) foram ocupadas por mulheres. Nestas Casas também houve uma evolução no número de cadeiras femininas, se comparado com 2020, quando das 58 mil vagas, 9,3 mil (16,13%) foram ocupadas por elas. Em Goiás, por exemplo, houve um aumento de parlamentares eleitas no ano passado, se comparado com 2020, passando de 362 para 421. Ao realizar um recorte para Goiânia, a Casa é representada por apenas cinco nomes femininos, das 37 cadeiras. Os dados constam em  painéis dinâmicos sobre as eleições municipais desenvolvidos pela Consultoria-geral, da Câmara dos Deputados.
Ao tratar a representatividade feminina em cenários políticos nacional e estadual, a realidade é de poucos avanços. Em 2022, foram eleitas 302 mulheres, contra 1.394 homens para a Câmara dos Deputados, Senado, Assembleias Legislativas e governos estaduais. De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 9.794 mulheres se candidataram aos cargos disponíveis, incluindo para posições de suplentes, e apenas 302 foram eleitas, o equivalente a quase 3,1%.
Naquele ano, a representatividade feminina na Câmara dos Deputados aumentou, passando de 77 para 91 (alta de 18,2%). Naquela época, Goiás elegeu 17 parlamentares, dentre eles seis são mulheres. Já no Senado, houve queda de 11 para dez senadoras eleitas. Porém, ao analisar o número de mulheres candidatas, foram 34% de mulheres, número que está acima da cota partidária (de 30%). Dos três eleitos em Goiás, todos são homens.
A deputada federal Adriana Accorsi destaca que, embora de forma ainda tímida, a presença feminina nos espaços de poder e decisão tem mostrado avanços significativos. Para Adriana, a tendência é que esses números cresçam cada vez mais, o que, sem dúvida, transformará a política brasileira. “Precisamos nos mobilizar, uma apoiar a outra e sempre buscar pautar as questões e as causas das mulheres. É fundamental também estar ao lado das meninas, pois, muitas vezes, é na infância que começam os problemas derivados da falta de políticas públicas adequadas. Nesse sentido, acredito que só avançaremos, como já estamos vendo agora, com a maior bancada feminina da história da Câmara dos Deputados. Esse é um marco importante, que tem gerado benefícios concretos e projetos que impactam positivamente todas as pessoas”.

A deputada estadual Dra. Zeli tem o sentimento de que, para uma mulher entrar na política, é necessário provar que é melhor do que a maioria dos homens, além de demonstrar que suas intenções são mais “puras e possíveis”. Ainda de acordo com a parlamentar goiana, o cenário político é um ambiente altamente competitivo, no qual muitas mulheres se sentem “intimidadas, não por não serem capazes de bater de frente e serem boas representantes, mas por não estarem dispostas a passar por todo tipo de situação”.
“Entra também a crença na figura política forte, e isso se reflete nas mulheres como eleitoras também. Apesar de sermos maioria no quórum de votos, muitas vezes deixamos de votar em candidatas mulheres por pensarmos: candidato tal tem mais chances de ganhar, tem mais força eleitoral. E nos esquecemos da força que temos no todo”, afirma.
Representatividade tímida 
m 1932, por exemplo, apenas as viúvas e solteiras que trabalhavam podiam exercer a cidadania; as mulheres casadas precisavam da autorização do marido. Foi somente em 1965 que o direito de voto das mulheres se igualou ao dos homens. Anos depois, medidas foram adotadas para aumentar a representatividade feminina na política. O tempo evidencia a lenta evolução da participação das mulheres no cenário político.
A cientista política Marlise Matos, professora titular do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Mato Grosso, observa que, ao longo dos 21 anos em que atua com pesquisas sobre a participação feminina nos espaços de poder e decisão, os avanços na representatividade política das mulheres são mínimos. Ela considera essa situação grave, especialmente ao comparar a exclusão política das brasileiras com a de outros países.

Marlise explica que, atualmente, as Américas têm 35% de representação feminina no parlamento, alcançando a maior taxa de avanço no mundo. A Europa, por exemplo, ocupa a segunda posição, com 31%. Na sequência, aparecem a África Subsaariana, com 27%, o Pacífico, com 23%, a Ásia, com 21%, e o Oriente Médio, com apenas 17%. A média mundial é de 26,5%. “No Brasil, temos um cenário muito parecido com o da pior região do mundo, que é o Oriente Médio e o Norte da África. E, se olharmos para os mais de 30 países das Américas, o Brasil está próximo da 30ª posição, ocupando a 27ª. No mundo, entre mais de 190 países, o território brasileiro ocupa a 134ª colocação”, exemplifica.

Diante desse cenário, Marlise descreve que as mulheres enfrentam uma verdadeira corrida de obstáculos para alcançar sucesso eleitoral no Brasil. Em outras palavras, há um conjunto sistemático de fatores que contribui para o crescimento tímido da representatividade feminina nos poderes Executivo e Legislativo. “Uma dessas barreiras está profundamente ligada à cultura do Brasil, marcada por estereótipos enraizados. O eleitorado reflete isso, demonstrando pouca preocupação em eleger mais mulheres”, observa.
A professora também destaca, como parte desse contexto, a violência política que atinge a maioria das mulheres em cargos eletivos. Segundo ela, essa prática agrava o que ela define como a crise da democracia brasileira. “Hoje, as mulheres são atacadas simplesmente por serem mulheres. São atacadas por serem negras, por serem lésbicas e por outras razões. Elas sofrem todo tipo de violência, o que pode culminar em casos emblemáticos, como o assassinato da vereadora Marielle Franco, em 2018”, recorda.
Descumprimento das cotas
Ao analisar dados do Observatório Nacional da Mulher na Política, vinculado à Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados, constatou-se que a cota mínima de 30% de candidaturas femininas foi descumprida em mais de 700 municípios nas eleições de 2024.
As cotas de gênero nas eleições são uma medida de ação afirmativa que estabelece um percentual mínimo de candidaturas de cada sexo, com o objetivo de promover a igualdade de gênero na representação política. No Brasil, a legislação eleitoral determina que os partidos políticos garantam no mínimo 30% e no máximo 70% de candidaturas de cada sexo. Essa regra tem amparo legal nas Leis nº 9.504/1997 e nº 14.411/2021, além da Emenda Constitucional nº 117/2022, sendo regulamentada por diversas resoluções do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Segundo o Observatório, nas eleições de 2024, foram registrados 279.011 candidatos homens e 152.930 mulheres, o que corresponde a 64,59% e 35,41%, respectivamente. Em Goiás, o percentual foi de 35,95%, com 6.711 candidatas mulheres frente a 18.668 candidatos homens. Esse número representa uma redução de mais de 27 mil candidaturas femininas. Ainda assim, houve um aumento relativo de 1% no percentual total de candidaturas femininas em comparação com as eleições municipais de 2020.

A deputada federal Silvye Alves avalia que a principal desmotivação de mulheres entrarem na política é que, até hoje, homens políticos de alto poder acabam, nas palavras dela, usando a mulher como “laranja”. “Isso no mais bruto sentido dessas cotas que precisam ser preenchidas. Isso desmotiva total”, detalha ao enfatizar que as mulheres precisam, de fato, ocupar seu merecido lugar de destaque.

A deputada federal Adriana Accorsi destaca a importância das cotas como ferramenta para promover maior equilíbrio em situações de “injustiça e desigualdade”, como na representatividade feminina. “Sou uma defensora das cotas e acredito que sua fiscalização deve ser mais rigorosa, com punições mais severas para os partidos que desrespeitarem essa política. Dessa forma, penso que precisamos avançar ainda mais, garantindo a presença das mulheres nas Casas Legislativas, e não apenas nas chapas eleitorais”, afirma.