Ansiedade e depressão lideram os motivos
Samuel Straioto
Em 2024, mais de 11 mil trabalhadores em Goiás precisaram se afastar do trabalho por problemas de saúde mental. Desse total, a ansiedade e a depressão figuram como principais causas, com 2.953 e 2.750 casos, respectivamente. O estado acompanha uma tendência nacional preocupante, que aponta recordes de licenças por transtornos psicológicos.
Especialistas alertam para a necessidade de intervenções rápidas no ambiente corporativo e políticas públicas voltadas ao bem-estar dos trabalhadores.
Com um dos maiores índices da região Centro-Oeste, Goiás só fica atrás do Distrito Federal no número de afastamentos por transtornos psicológicos.
Os números de afastamentos por transtornos psicológicos em Goiás refletem uma crise que vem crescendo nos últimos anos. Com 11.119 casos registrados em 2024, o estado se posiciona como o segundo com maior número de licenças da região Centro-Oeste, perdendo apenas para o Distrito Federal, que totalizou 14.049 afastamentos.
Os transtornos de ansiedade lideram os motivos de afastamento entre os trabalhadores goianos, com 2.953 casos, seguidos pela depressão, com 2.750. A situação se repete em outros estados vizinhos, embora com números menores.
Mato Grosso registrou 4.069 afastamentos por saúde mental (1.283 por ansiedade e 1.203 por depressão), enquanto Mato Grosso do Sul teve 8.545 afastamentos (2.516 por ansiedade e 2.408 por depressão).
Comparativo dos afastamentos por saúde mental na região Centro-Oeste:
Estado | Total de Afastamentos | Ansiedade | Depressão |
Distrito Federal | 14.049 | 5.380 | 3.354 |
Goiás | 11.119 | 2.953 | 2.750 |
Mato Grosso | 4.069 | 1.283 | 1.203 |
Mato Grosso do Sul | 8.545 | 2.516 | 2.408 |
O impacto no ambiente de trabalho
A sobrecarga, o estresse e a falta de suporte adequado são apontados como principais fatores para o crescimento dos afastamentos por transtornos psicológicos. Segundo o psicólogo ocupacional Marcos Silva, a busca por produtividade excessiva tem gerado ambientes hostis ao bem-estar emocional.
“O medo do desemprego, a pressão por resultados e a carga excessiva de trabalho têm sido fatores determinantes para o aumento desses afastamentos. Muitas empresas ainda negligenciam a saúde mental, e os trabalhadores são empurrados ao limite”, alerta Silva.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 15% dos trabalhadores no mundo sofrem de transtornos mentais, sendo que a ansiedade e a depressão estão entre as principais causas de afastamento. No Brasil, o cenário é ainda mais preocupante, pois a taxa de afastamentos relacionados à saúde mental cresce a cada ano.
Outro fator preocupante apontado pelo especialista é a cultura do presenteísmo, onde funcionários seguem trabalhando mesmo adoecidos, agravando ainda mais o quadro clínico.
“Além das faltas justificadas por atestados médicos, muitos trabalhadores continuam em seus postos de trabalho, mas sem produtividade devido ao sofrimento mental. Isso gera um efeito dominó na equipe e reduz o desempenho geral da empresa”, acrescenta Silva.
A falta de políticas organizacionais voltadas à saúde mental também se reflete na alta rotatividade de funcionários, impactando o ambiente corporativo e a qualidade do trabalho entregue. Empresas que investem em suporte psicológico e ações preventivas apresentam índices menores de afastamento e maior retenção de talentos.
Processos periciais e reconhecimento das doenças
A perita médica Carolina Mendes explica que os transtornos psicológicos têm ganhado mais reconhecimento nas avaliações periciais, mas a prova da relação entre a doença e o trabalho ainda é um desafio.
“A caracterização da doença ocupacional para transtornos mentais ainda enfrenta barreiras, pois são múltiplos fatores envolvidos. Mas os dados mostram que estamos diante de um problema sistêmico”, afirma a especialista.
No mundo, transtornos mentais representam cerca de 12 bilhões de dias de trabalho perdidos anualmente, resultando em um impacto econômico superior a US$ 1 trilhão, segundo a OMS. Esse dado ressalta como a negligência com a saúde mental também impacta a produtividade e a economia.
Carolina ainda ressalta que a demora na concessão de benefícios previdenciários agrava a situação dos trabalhadores que já estão em sofrimento mental. “Os longos períodos de espera para perícias e decisões sobre afastamentos causam um estresse adicional, prejudicando ainda mais a recuperação do trabalhador”, pontua.
Ela enfatiza que a atualização de diretrizes periciais e um melhor preparo dos avaliadores para identificar os impactos do trabalho na saúde mental são fundamentais para garantir um reconhecimento mais justo dessas doenças.
Direitos do trabalhador
A advogada trabalhista Fernanda Costa destaca que os trabalhadores afastados por transtornos psicológicos têm direito a benefícios previdenciários, como o auxílio-doença, e que as empresas precisam cumprir medidas de prevenção obrigatórias.
“A empresa deve fornecer um ambiente de trabalho saudável e medidas para prevenir o adoecimento mental, como acompanhamento psicológico e gestão humanizada. Em casos de negligência, o trabalhador pode buscar reparo judicial”, explica Fernanda.
Segundo a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), no artigo 157, é dever das empresas cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho. Além disso, o artigo 19 da Lei 8.213/1991 prevê que, se a doença mental for caracterizada como ocupacional, o trabalhador tem direito a estabilidade de 12 meses após o retorno ao trabalho.
Já a Constituição Federal, no artigo 7º, inciso XXII, garante a redução dos riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de saúde, higiene e segurança. Esses dispositivos reforçam a obrigação das empresas em adotar medidas preventivas para garantir a integridade física e mental de seus funcionários.
A advogada reforça que, em casos graves, o trabalhador pode pleitear indenização por danos morais e materiais caso a empresa tenha sido omissa. “A Justiça do Trabalho tem reconhecido cada vez mais os impactos do ambiente de trabalho na saúde mental dos empregados, concedendo reparações financeiras significativas em situações comprovadas de assédio moral, sobrecarga e falta de suporte psicológico”, destaca Fernanda.
Ela ainda menciona que políticas empresariais eficazes podem reduzir significativamente os afastamentos e minimizar os riscos legais para as empresas. “Programas de bem-estar mental, flexibilização da jornada e acompanhamento contínuo são investimentos que trazem benefícios para ambas as partes”, conclui.
Comparativo Global e Local
Se compararmos os números de Goiás com os dados globais, observamos que a crise da saúde mental está longe de ser um problema local. A OMS aponta que cerca de 15% dos trabalhadores no mundo sofrem de transtornos mentais.
No Brasil, os afastamentos relacionados a esses problemas cresceram mais de 30% nos últimos dez anos. No estado de Goiás, os 11.119 afastamentos representam um dos maiores índices da região Centro-Oeste.