Diante de décadas de negligência, furtos e omissão do poder público, família de Pedro Ludovico Teixeira estuda exumar seus restos mortais do Cemitério Santana. A situação expõe o colapso de um patrimônio histórico e mobiliza a sociedade civil
Goiânia corre o risco de perder, literal e simbolicamente, seu próprio fundador. Diante do abandono crônico, da violência crescente e da evidente omissão das autoridades, a família de Pedro Ludovico Teixeira anunciou em maio de 2025 que estuda exumar seus restos mortais, e os de sua esposa, Gercina Borges, do Cemitério Santana, onde repousam desde 1979. A possível e eminente remoção escancara o colapso de uma cidade que vira as costas para sua história e acende um alerta sobre o destino do mais antigo cemitério da capital — um patrimônio histórico onde nem os mortos escapam da violência.
Ruínas da Necrópole: vandalismo, crime e profanação
Inaugurado em 1939 e tombado como Patrimônio Histórico de Goiânia em 2000, o Cemitério Santana se tornou um retrato da falência cultural. O que antes era um local de reverência, hoje é um território de abandono e perigo.
Os furtos se intensificaram a partir de 2017, atingindo um nível alarmante. Obras de arte funerária, muitas assinadas por artistas renomados como Ângelo Ktenas, Cléber Gouvêa e Frei Nazareno Confaloni, foram sistematicamente roubadas. Bustos, placas de bronze, crucifixos e até esculturas inteiras desapareceram dos túmulos de figuras ilustres que ajudaram a construir a cidade.
Entre as vítimas estão os jazigos do próprio fundador Pedro Ludovico, dos ex-prefeitos Nion Albernaz e Iris Rezende, do historiador Zoroastro Artiaga e de famílias pioneiras como Baiocchi, Zupelli, Amorim, Bufáiçal e Queiroz Barreto. A situação chegou ao ponto em que familiares, por exaustão, passaram a substituir o bronze por materiais sem valor comercial ou a remover as peças restantes para protegê-las em casa, como no caso da família Baiocchi, que recuperou uma escultura de bronze encontrada escondida em uma guarita do próprio cemitério.
A degradação não é apenas material. O espaço foi tomado pela criminalidade e pelo descaso social. Visitantes e religiosos relatam assaltos, como o sofrido pelo padre José Haílo Ferreira Costa, agredido e mordido durante uma visita. O local é usado como ponto de prostituição e abrigo para usuários de drogas, com vestígios como preservativos e latas espalhados pelas alamedas. A violência atingiu seu ápice em março de 2025, quando um foragido da Justiça foi morto em uma troca de tiros com a polícia dentro do cemitério, profanando o campo santo que nem exércitos em guerra ousam violar.
Histórico de omissão: décadas de descaso das gestões municipais
O colapso atual é resultado de décadas de negligência. Embora o status de patrimônio tenha sido garantido em gestões passadas, como a de Nion Albernaz (1997-2000), e projetos de restauro tenham sido anunciados, como na de Pedro Wilson (2001-2004), as ações efetivas de manutenção e, principalmente, de segurança, nunca se concretizaram.
A situação se agravou drasticamente a partir da década de 2010. Na gestão de Paulo Garcia (2010-2016), as primeiras denúncias formais de abandono foram feitas por familiares, sem que providências fossem tomadas.
Foi na gestão de Iris Rezende (2017-2020) que a crise explodiu. A retirada da vigilância noturna pela administração municipal abriu as portas para uma onda de saques. Peças de bronze e obras de arte começaram a desaparecer em série. Apelos públicos, como o do deputado estadual Francisco Júnior em 2017, foram ignorados. Mesmo alertado pessoalmente sobre os roubos em 2020, o então prefeito não implementou soluções. Funcionários do cemitério chegaram a admitir a falta de segurança e aconselharam as famílias a removerem os objetos de valor dos túmulos.
A gestão de Rogério Cruz (2021-2024), nem se fala!, deu continuidade ao descaso. Em 2021, a família de Pedro Ludovico denunciou publicamente o “descaso ridículo”. Em resposta, a prefeitura admitiu os furtos, mas declarou não possuir verba específica para a segurança dos jazigos, transferindo a responsabilidade para os familiares — uma posição vista como omissão, já que a segurança do espaço público e a proteção de um bem tombado são deveres do município.
Linha do tempo
O Cemitério Santana é o mais antigo de Goiânia, projetado no final dos anos 1930 e inaugurado em 1940. Com fachada em estilo art déco, o local foi tombado como patrimônio histórico municipal no ano 2000. Possui cerca de 8 mil jazigos e mais de 50 mil sepultamentos registrados. Abriga os restos mortais de diversas personalidades goianas – incluindo o fundador da capital, Pedro Ludovico Teixeira. Apesar de sua relevância histórica e cultural, o cemitério está desolado no abandono, nos furtos e nas depredações. A situação é denunciada repetidas vezes pela imprensa e famílias nas últimas décadas. (Crédito da imagem: Katira – Alex Almeida)
CEMITÉRIO SANTANA:
DA GLÓRIA À DESONRA
Origem
O governo de Goiás destina, por decreto, uma área pública nos limites de Goiânia e Campinas para a implantação do primeiro cemitério da nova capital (Decreto nº 90-A/1938).
Início das obras
Início das obras do Cemitério Nossa Senhora de Santana, construído pelo governo estadual de Goiás.
Primeiro sepultamento
Inauguração do cemitério, com registro do primeiro sepultamento em 9 de dezembro – Antônio Augusto de Carvalho.
Construção do muro e ossário
Construção do muro perimetral do cemitério e instalação de um ossário para acondicionar restos mortais.
julho
Poeta Léo Lynce é enterrado
Em 7 de julho de 1954 faleceu em Goiânia o advogado, jornalista, poeta e jurista Cyllenêo Marques de Araújo Vale, conhecido como Léo Lynce, figura emblemática do Modernismo em Goiás. Autor de obras marcos como o livro de poemas Ontem (1928), Léo Lynce foi deputado, juiz e formador de opinião, reconhecido pelo estilo que mesclava métrica clássica com inovação poética, além de ter fundado jornais e contribuído ao jornalismo e à cultura do estado. Seu legado perdura como referência literária e intelectual goiana.

Transferência da administração
Transferência da administração e propriedade do Cemitério Santana para a Prefeitura de Goiânia, após 20 anos de gestão estadual, conforme a Lei Municipal nº 1.637/1959.
Primeiro regulamento municipal
Publicação do primeiro regulamento municipal para os serviços do Cemitério Santana, por meio do Decreto nº 029/1960.
Obras de melhoria
Obras de melhoria no cemitério, incluindo ampliação do prédio da administração, instalação de rede de água, arborização externa e pavimentação interna (avenidas e pátios) com blocos de concreto.
Falecimento de Venerando de Freitas Borges
Falecimento de Venerando de Freitas Borges, primeiro prefeito de Goiânia (1935-1945), sepultado no Cemitério Santana. Em 1930, iniciou sua carreira no jornalismo, escrevendo crônicas para vários jornais da cidade, até que Pedro Ludovico Teixeira o nomeou como primeiro prefeito de Goiânia, a nova capital do estado de Goiás que surgia na época.

Morte do “Coronel Hipopota”
Morte do comunicador goiano Maximiliano Carneiro, apresentador de programa de auditório sertanejo na TV local. Um “Chacrinha” goiano. Morreu em 1981, aos 66 anos, após ser atropelado por uma bicicleta quando saía de uma feira no Setor Sul. Um grande cortejo chorou seu sepultamento no Santana.

Tombamento do jazigo de Pedro Ludovico Teixeira
Tombamento individual do jazigo da família de Pedro Ludovico Teixeira (túmulo do fundador) como patrimônio cultural de Goiânia, pela Lei Municipal nº 6.962, de 21 de maio de 1991. A foto é antiga e demonstra bom estado de conservação. O contrário do se que tem hoje.

Traslado dos restos mortais de Padre Pelágio
Traslado dos restos mortais de Padre Pelágio para a Igreja Matriz de Campinas, removendo-os do Cemitério Santana (seu túmulo permaneceu como memorial, devido à forte devoção popular).
Janeiro
Morre Fábio Nasser Custódio dos Santos
Em 17 de janeiro de 1999, faleceu aos 33 anos, Fábio Nasser Custódio dos Santos. Filho de Batista Custódio e braço direito do pai na trincheira do Diário da Manhã, era brilhante, sensível e dotado de memória prodigiosa. Foi considerado prodígio do jornalismo, admirado pela inteligência criativa e pelo cérebro elétrico que memorizava tudo que lia. A interrupção de sua vida marcou a família e o imaginário goianiense para sempre.

Tombamento oficial do cemitério
Tombamento oficial do Cemitério Santana como patrimônio histórico-cultural do município, pelo Decreto nº 1.879, de 26 de setembro de 2000.
Início de subprojeto de educação patrimonial e cultural
Início de um subprojeto de educação patrimonial e cultural no Cemitério Santana, voltado ao restauro e conservação preventiva das estruturas (edificações, paisagismo, drenagem pluvial e iluminação).
Projeto de revitalização
Projeto de revitalização lançado em parceria entre a Prefeitura e a Associação das Empresas Funerárias de Goiás (Aefego) para transformar o Cemitério Santana em ponto turístico-cultural. O plano inclui a preservação das obras de arte e arquitetura art déco, com projeto arquitetônico de restauração elaborado por Leo Romano. Só no papel.
Primeira denúncia formal de abandono
Familiares de pessoas sepultadas (incluindo descendentes de Pedro Ludovico) fazem a primeira denúncia formal de abandono do cemitério, relatando furtos constantes de placas e esculturas de túmulos e a falta de manutenção pelo poder público.
Setembro
Nion Albernaz é sepultado
Falece, aos 87 anos, o professor, engenheiro civil e político Nion Albernaz, ex-prefeito de Goiânia por três mandatos. Morreu 6 de setembro de 2017, às 15h, em sua residência no Setor Oeste, vítima de falência múltipla dos órgãos. Foi velado no Palácio das Esmeraldas e sepultado, no Cemitério Santana, dia 7 de setembro, às 10h. Em 30 de janeiro de 1997, primeiro mês do seu terceiro mandato disse, ao Diário da Manhã: “Existe o simbolismo de sermos o último prefeito de Goiânia deste século. Temos de levá-la ao século vinte e um”. E ele o fez.

Dezembro
Agravamento dos furtos e vandalismo
Agravamento dos furtos e vandalismo: sem vigias noturnos no local, usuários de drogas passam a invadir o cemitério durante a noite para roubar peças de bronze dos túmulos. Nesse ano, diversos jazigos têm cruzes, placas e adornos furtados, conforme denúncias registradas.
Descaso persiste
A situação de descaso persiste. Familiares de Pedro Ludovico denunciam que funcionários do cemitério chegaram a orientar a retirada de esculturas do túmulo do fundador para evitar novos roubos, diante da ausência de segurança e proteção adequadas.
Outubro
Reportagem expõe abandono
Reportagem do jornal O Popular expõe a situação de abandono crônica no Cemitério Santana – com mato alto cobrindo sepulturas, placas e fotos desaparecidas, jazigos quebrados e sinais de depredação generalizada.
Novembro
Denúncia pública do Desembargador
Em novembro, o desembargador Itaney Campos faz uma denúncia pública contundente nas páginas do Jornal Opção, cobrando providências da Prefeitura diante do abandono e vandalismo no Cemitério Santana – criticando o “menoscabo” com que o poder municipal trata a mais tradicional necrópole de Goiânia.
Sepultado o jornalista Batista Custódio
Morre aos 88 anos, no dia 24 de novembro, o ícone da imprensa goiana, fundador dos jornais Cinco de Março, Diário da Manhã e idealizador deste Liras da Liberdade. Foi sepultado no Cemitério Santana – local que ele próprio havia pedia a tomada de ações. Ele enviava uma única rosa ao túmulo do seu filho Fábio Nasser. Batista Custódio está junto de Alfredo Nasser, mas a família ainda não ergueu monumento no jazigo em função dos riscos atuais do Santana.
2024
Denúncia do ex-governador de Goiás
Irapuan Costa Junior
Em artigo contundente, publicado no Opção, Irapuan condena o avanço do abandono e da criminalidade no Cemitério Santana. Todas as placas dos túmulos de seus pais e de sua avó foram roubadas em 2020, e o próprio zelador recomendou não repor as peças enquanto não houvesse vigilância noturna.
Segundo Irapuan, a retirada da vigilância noturna facilitou que dependentes químicos e criminosos invadissem o campo santo, saqueando peças de bronze dos túmulos históricos de pioneiros e fundadores da capital. O matagal cresce sem controle, latas e garrafas são espalhadas por entre os túmulos, e o descaso do poder público agrava o desrespeito às memórias das famílias que construíram Goiânia.
Em apelo direto ao prefeito, secretários municipais e vereadores, Irapuan exige providências: “Tão pouco a fazer por tanta memória importante da família goianiense.” Medida básica: um simples guarda-noturno faria diferença e já daria mais dignidade ao Santana.
Furtos e depredações continuam
Diante da continuidade dos furtos e depredações, algumas famílias instalam grades de ferro ao redor de seus jazigos e até contratam segurança privada armada para proteger túmulos de entes queridos. A falta de cuidado e o número reduzido de funcionários municipais agrava a sensação de abandono no local.
Sandro Mabel tem, diante de si, aquela rara oportunidade histórica onde o político pode virar o estadista. Descruze os braços e ouça este clamor!
Familiares de pioneiros — como a descendência de Pedro Ludovico — já cogitam, com dor e pesar, transferir os restos mortais de seus antepassados para outro lugar. Um abaixo-assinado ganha corpo para ser entregue ao Ministério Público, enquanto se articula uma audiência com o prefeito Sandro Mabel, na esperança de um gesto à altura da responsabilidade histórica e da memória coletiva.
Borges, Teixeiras, Fleurys, Jaós, Caiados, Albernazes, Artiagas, Buenos, Barbosas, Siqueiras, Taveiras, Francos, Franças, Silvas, Goularts, Baiocchis, Zupellis, Ferreiras, Rorizes, os Accorsi, os Vianas, os Quaresmas, também os Pereiras, Almeidas, Magnos, Neves, Freitas, os Vilelas, os Coímbras, os Rezendes, os Rassi… — e tantas outras miríades de famílias pioneiras e as atuais — clamam, em uníssono, pela conversão urgente do Cemitério Santana em Santuário Santana!
Prefeito Sandro Mabel, o destino lhe concede grande oportunidade! Cumpra este desiderato e será possível que, quando chegar sua última hora, o senhor escute o canto de uma multidão de gratidões ecoando alegrias e homenagens em seu cortejo. Não desperdice este chamado: levante-se, lidere e proponha, junto à Câmara Municipal, a evolução da Lei Orgânica e do Plano Diretor de Goiânia, instituindo políticas definitivas de proteção, revitalização, preservação e permanentes para o Cemitério Santana.

Fontes: Diário da Manhã, O Popular, Jornal Opção, Arte Funerária Brasil, Sagres Online, Folha Z, Diário de Goiás, TV Anhanguera, G1.
Clamor pela memória e o chamado à ação
Diante do silêncio ensurdecedor das autoridades competentes, a sociedade civil se mobiliza. O “Grupo pela Preservação do Cemitério Santana” busca reunir um abaixo-assinado com um rol das famílias pioneiras da cidade para engrossar uma denúncia ao Ministério Público. Cabe lembrar que, diante de crimes e violações tão evidentes, praticados a céu aberto e notórios a um patrimônio tombado, o Ministério Público tem, não só a prerrogativa, mas o dever de agir de ofício, independentemente de provocação formal, para coibir o vilipêndio moral que hoje mancha a capital de Goiás.
A chegada do prefeito Sandro Mabel (União Brasil) é vista como a última oportunidade para reverter o quadro. As reclamações persistem, mas a ameaça de transferir os restos mortais de Pedro Ludovico e Gercina para um museu eleva a crise a um patamar sem precedentes. Seria o ato simbólico final: o fundador sendo desalojado da cidade que criou pela incompetência do poder público em proteger a sua memória.
A questão que se impõe ao prefeito Sandro Mabel é de que lado da história ele deseja estar. Não se trata apenas de restaurar um cemitério, mas de restaurar o respeito que Goiânia deve a si mesma. É preciso que o silêncio cúmplice dê lugar a ações concretas — como a reinstalação da vigilância, limpeza e restauro — antes que o último símbolo da fundação da cidade seja carregado para longe, não por vontade, mas por vergonha.
Com esse cenário, o prefeito Sandro Mabel chega à encruzilhada decisiva: ou assume de vez o protagonismo do resgate, com medidas firmes e imediatas para restaurar, proteger e revitalizar o Cemitério Santana — devolvendo a Goiânia o orgulho de sua própria origem, ou será lembrado como o gestor que, por inércia ou covardia, permitiu a última e maior afronta da história local: expulsar o próprio fundador da cidade de seu solo.
Não há mais espaço para discursos ou promessas: o tempo da hesitação acabou. É a chance única de ser celebrado como o estadista que reconciliou Goiânia com sua memória, ou carregar para sempre o peso de ser aquele que assinou, em silêncio, o despejo definitivo de Pedro Ludovico. Aqui, a escolha não será apenas administrativa — será, acima de tudo, moral e histórica.
Assista, Mabel!, neste vídeo raríssimo, como foi a despedida e o cortejo do fundador da cidade. E então, imagine como poderá ser, quando for a sua vez.