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Agricultura familiar: a base da alimentação em Goiás e no mundo

Segmento apresenta crescimento no Estado

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Ainda na madrugada, antes mesmo do sol iluminar o solo cerratense de Jaraguá, no interior de Goiás, o casal Virgínia Almeida, 61 anos, e André Almeida, 58, levanta-se de sua cama, atravessa a casa da Chácara Baru e sai pelo portão, de onde pode-se avistar pelo menos dez canteiros preenchidos por alfaces, rúculas, pimentas, couves e uma enxurrada de outros cultivos. No cenário iluminado pela aurora, as plantas formam naquela terra marrom-avermelhada uma espécie de oceano verde. Construído a quatro mãos, o canteiro na chácara da família Almeida é resultado de apenas uma iniciativa em todo o universo da agricultura familiar, que, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em levantamento feito no ano de 2017, representa 77% dos estabelecimentos agrícolas do País e 63% em Goiás.

André Almeida calça seu par de galochas para começar o trabalho na horta da Chácara Baru. (Foto: Amanda Gentilin)
Apesar de serem maioria da mão-de-obra agrícola no Brasil, os agricultores familiares ocupam uma área significativamente menor que a agricultura não familiar: apenas 23% do território é utilizado para produção de famílias como a de Virgínia e André. O método antagônico de agricultura e pecuária, que envolve grandes pastos, maquinários exuberantes e lucros bilionários com as commodities, apenas neste ano gerou, por meio de exportações, cerca de 3 bilhões de dólares aos gigantes produtores de Goiás. Os grandes campos de produção, por vezes recheados com plantações de soja, por exemplo, não são os responsáveis pela comida que chega à mesa dos brasileiros, como explica Manuel Eduardo Ferreira, professor e pesquisador ambiental da Universidade Federal de Goiás (UFG), em entrevista exclusiva ao jornal A Redação.
Para Ferreira, o uso exacerbado de terras precisa ser repensado, sobretudo porque não traz lucros compartilháveis entre os cidadãos – ainda menos em cidades interioranas, como Jaraguá, onde mora o casal Virgínia e André. “O retorno financeiro das grandes atividades agropecuárias está concentrado em pequenos grupos, com poucos indivíduos. Utilizam grandes porções de terras para suas plantações, mas exportam a produção dali”, esclarece o pesquisador da UFG. Manuel pondera ser necessário repensar os moldes das grandes produções e acredita que o futuro da agricultura e da pecuária se dará na busca por formas de produzir mais em territórios reduzidos. Assim fazem Virgínia e André, que ocupam uma área pouco menor que um alqueire para dar vida à sua produção. 
“É muito bom ver a horta toda verde e bonita, é um trabalho gratificante, principalmente por acompanhar a evolução da planta desde uma mudinha até ela estar completamente desenvolvida”, conta Virgínia. No entanto, o desafio de manter os extensos canteiros da Chácara Baru, localizada na estrada estadual que liga Jaraguá à cidade de Goianésia, é constante. Segundo o casal de produtores, as plantações já foram atingidas por doenças inesperadas e, por algumas vezes, perderam suas produções do dia para a noite. “Como o trabalho é com plantação, a falta das chuvas e o calor excessivo também acabam por criar mais dificuldades na produção.”
Para vencer as perdas, André e Virgínia recorreram ao estudo. Por meio de treinamentos, como os cursos a distância do Sistema Faeg (Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás), puderam entender melhor sobre suas produções e como planejar estratégias mais certeiras para colher resultados. “Nós fomos atrás de conhecimento, fizemos o curso do Senar Goiás, que nos ajudou com a plantação, cuidado e até mesmo o entendimento por completo dos ciclos da horta”, acrescenta a agricultora. Segundo o casal, todas as semanas são plantados cerca de 800 pés de alface, além das outras produções, que ampliam a quantidade total para mais de 3 mil vegetais cultivados apenas pelas mãos de marido e mulher.

André Almeida rega pés de alface recém plantados. (Foto: Amanda Gentilin/A Redação)
Em busca da manutenção de terras sempre preparadas para plantio e colheita, os produtores de Jaraguá seguem os ensinamentos do curso a distância que fizeram através da plataforma do Senar. “Conforme aprendemos na capacitação, nós fazemos o rodízio de cultura para fortalecer o solo onde as plantas são produzidas”, diz Virgínia. De acordo com a produtora, há um canteiro com 400 pés de couve para colheita, além de outros dois canteiros com 700 pés de cebolinha para colheita e venda.
Um dos braços de maior destaque na evolução de agricultores familiares é o Sistema Faeg. Como explica o superintendente do Senar Goiás, Dirceu Borges, são mais de 200 cursos para formação rural e promoção social destinados aos produtores goianos. “A agricultura familiar é de suma importância não só para o Estado, mas para todo o País. Hoje, representam a maior parcela de estabelecimentos rurais em Goiás, são 95 mil. Estes produtores são determinantes para o desenvolvimento da economia e para a alimentação da população”, acrescenta.
Ainda assim, é necessário fomentar este segmento. De acordo com o último Censo Agropecuário do IBGE, de 2017, o dinheiro movimentado pela agricultura familiar (R$ 106,5 bilhões) foi cerca de três vezes menor do que os ganhos da agricultura não familiar (R$ 355,9 bilhões), mesmo com a primeira representando cerca de três vezes mais empreendimentos agropecuários. A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) informa que mais de 10 milhões de pessoas dependem da agricultura familiar, considerada em relatório de julho deste ano como “a base da alimentação mundial”.
No entanto, a pandemia do novo coronavírus impactou os ganhos com as produções. Coordenador do Instituto para o Fortalecimento da Agropecuária de Goiás (Ifag), Leonardo Machado (à esquerda) explica que a crise alavancada no último ano e meio, após a chegada do vírus, também atingiu o bolso de pequenos produtores. “Muitas produções são direcionadas para o mercado interno e, com as medidas que restringiram as atividades econômicas, houve reduções no consumo destes alimentos – efetivando em queda dos preços [e ganhos]”. Machado destaca ainda a majoração dos custos para produzir, o que reflete também na receita final.
Esta história é conhecida pela produtora Flávia Rodrigues do Nascimento, 41 anos, moradora de Ipameri. Agricultora familiar, ela atua no cultivo de hortas, mas também possui criações, como galinhas. Em entrevista ao jornal A Redação, Flávia conta que durante a pandemia a redução do número de compradores em feiras, onde vende muito de seus produtos finais, afetou cerca de 90% de sua renda. “Eram muitos gastos até chegar ao ponto de venda e, muitas vezes, não tinha quem comprasse. Isso causou muito prejuízo”, relata.

(Foto: Amanda Gentilin/A Redação)
Apesar das dificuldades, a produtora encontrou apoio na ação de assistência técnica do Senar. Desde o início, conta Flávia, buscava produzir com base nos conhecimentos passados pela família, mas sempre encontrava dificuldades no meio do caminho. Aqui entra uma conhecida de Ipameri, que atua com assistência técnica pelo Senar e sugeriu a montagem de um grupo de trabalho para auxiliar a produtora em seu cultivo. “A assistência contribuiu muito. Através desse serviço, melhoramos nossa terra, os produtos e também a renda”, diz Flávia.
Superintendente do Senar Goiás, Dirceu Borges estima chegar, até o final deste ano, a 5 mil produtores atendidos pela entidade. Segundo o gestor, no início de 2021, eram 1,9 mil empreendimentos que dispunham de assistência técnica. “Este é um produto novo [assistência técnica], não era um serviço executado pelo Senar. Ainda assim, estamos em plena ascensão porque não paramos um segundo durante a pandemia. Reconhecemos a necessidade e a urgência de se trabalhar em prol dos agricultores familiares.”