Na semana passada, Bolsonaro disse que pretende indicar alguém ‘alinhado com as bandeiras’ dele.
Por Filipe Matoso, G1 — Brasília
A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) divulgou uma nota nesta segunda-feira (19) na qual criticou o “alinhamento” de ideias como critério para a escolha do novo procurador-geral.
A indicação para o cargo cabe ao presidente Jair Bolsonaro. O indicado será submetido a uma sabatina pelo Senado e só assumirá se for aprovado. O mandato de Raquel Dodge acaba em 17 de setembro.
Na semana passada, ao conceder uma entrevista coletiva no Palácio da Alvorada, Bolsonaro afirmou: “Com todo respeito ao pessoal da PGR, do MP, um zelo enorme. A gente precisa de um chefe do Ministério Público que tenha alinhado com as bandeiras nossas e, na questão ambiental, não seja xiita”.
Na nota divulgada nesta segunda-feira, a ANPR afirmou: “O PGR exerce, por óbvio, uma função de Estado e não de governo, não podendo ser indicado, por exemplo, em razão de ‘alinhamento’ com os projetos e ideias defendidos por aqueles que compõem quaisquer dos poderes da República. Tampouco pode-se cogitar que a escolha do PGR possa servir a propósitos pessoais.”
“Qualquer tentativa de interferência indevida tem impacto negativo no combate ao crime, à corrupção, e na garantia dos direitos fundamentais”, acrescentou a entidade.
Ao conceder uma entrevista coletiva na noite desta segunda-feira, o porta-voz de Bolsonaro, Otávio Rêgo Barros, disse que o presidente “tem tido dificuldade” para escolher o novo procurador-geral. Acrescentou que “no momento adequado” a indicação será formalizada.
Valdo Cruz: escolha do novo procurador-geral causa apreensão no Ministério Público
Lista tríplice
Em junho, a ANPR elegeu a lista tríplice com indicações da categoria para o cargo de procurador-geral.
O presidente da República não é obrigado a indicar um dos integrantes dessa lista, mas nos governos Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e Michel Temer o escolhido integrava a lista.
Nas últimas semanas, Bolsonaro se reuniu com candidatos ao cargo de procurador-geral. Ele recebeu integrantes da lista e procuradores que não a integram.
Em uma recente entrevista, o presidente afirmou que o próximo procurador precisa tratar a questão ambiental “sem radicalismo”. Além disso, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente, afirmou à GloboNews que o Ministério Público não pode ser “dominado” por quem seja “contra o que a gente pensa“.
Íntegra
Leia abaixo a íntegra da nota:
Brasília (19/08/2019) — A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) vem a público expor o seguinte:
Os membros do Ministério Público Federal (MPF) possuem independência funcional, garantia imprescindível ao exercício de suas relevantes atribuições sem interferências externas. O tributo à independência e à autonomia do MPF se concretiza, também, com o respeito às escolhas da classe. Um PGR com legitimidade interna, que tenha exposto opiniões e ideias em público, é fundamental para o atingimento dos fins constitucionais da instituição e para os objetivos da República Federativa do Brasil.
Em maio e junho deste ano, a ANPR conduziu processo transparente por meio do qual 10 candidatos a PGR se submeteram a ampla avaliação pública, em seis debates abertos ocorridos em todo o país, quando puderam externar, com absoluta transparência, ideias e projetos para conduzir esta que é uma das instituições mais importantes do país. Tudo devidamente acompanhado pela imprensa e pela sociedade.
No fim desse processo, três candidatos foram incluídos na lista tríplice: Mário Bonsaglia, Luiza Frischeisen e Blal Dalloul, todos com longa folha de serviços prestados ao país e dotados das maiores qualidades, como o conhecimento jurídico, a grande capacidade de diálogo interno e externo, a ponderação e o compromisso com os valores institucionais. Ademais, a lista tríplice representa estabilidade institucional, o que favorece ambiente para que nosso país possa progredir em seu enorme potencial.
Nas últimas semanas, o noticiário nacional veicula que diversos membros do MPF, que não participaram do debate público e não receberam votação para estar na lista tríplice, estariam buscando a nomeação por meio de conversas reservadas ocorridas na Presidência da República. Não sabemos, nós e a população brasileira, quais são seus planos, ideias e compromissos para comandar a instituição.
O PGR exerce, por óbvio, uma função de Estado e não de governo, não podendo ser indicado, por exemplo, em razão de “alinhamento” com os projetos e ideias defendidos por aqueles que compõem quaisquer dos Poderes da República. Tampouco pode-se cogitar que a escolha do PGR possa servir a propósitos pessoais. Qualquer tentativa de interferência indevida tem impacto negativo no combate ao crime, à corrupção, e na garantia dos direitos fundamentais.
Legitimidade, liderança e independência funcional são requisitos indispensáveis para aqueles que almejam ocupar o cargo de PGR. A lista tríplice, formada por votos de 82,5% da categoria em processo democrático e transparente, é mecanismo que garante um PGR independente, agregador e comprometido exclusivamente com a Constituição da República. Percebe-se que não há motivos transparentes para recusar, ao mesmo tempo, as três lideranças institucionais apresentadas na lista tríplice.
A Associação Nacional dos Procuradores da República destaca que a classe está inteiramente mobilizada, em todo o país, para defender esses princípios fundamentais — previstos não em benefício da carreira, mas sim da atuação independente e republicana desta que é uma das instituições mais importantes do país.
Diretoria da Associação Nacional dos Procuradores da República