Jornal do Peninha

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Casos assustadores de morte e agressão a mulheres marcam

Natal deste ano Em Goiás, chama atenção caso do ex-padrasto que bateu na enteada por não aceitar namoro. Notificação ainda é baixa

O medo de retaliação ainda faz com que o número de ocorrências registradas na polícia seja baixo. Mas os relatos e as notícias publicadas mostram que este Natal foi marcado por episódios cruéis de violência contra mulheres em Goiás e no Brasil.

Na Cidade de Goiás, por exemplo, uma jovem de 19 anos foi alvo do ex-padrasto, que não aceitava o seu recente namoro e deu-lhe golpes de marreta na cabeça. No mesmo dia, outra mulher foi agredida pelo marido, em AnápolisNa mesma cidade e no dia seguinte, houve registro de agressão contra uma grávida. O principal suspeito é o companheiro, que teria utilizado halteres artesanais de cimento para cometer o crime.

Mas aconteceu no Rio de janeiro o caso mais assombroso: a juíza Viviane Arronenzi, de 45, alvo de 16 facadas na frente das filhas. No mesmo dia, Thalia Ferraz, de 23 anos, foi assassinada a tiros pelo ex-companheiro na frente dos familiares da vítima, em Santa Catarina.

Jovem agredida pelo ex-padrasto na Cidade de Goiás. (Foto: Reprodução)

Os relatos são assustadores e podem ser ainda mais preocupantes, visto que o número de casos pode ser maior do que o noticiado. O Mais Goiás procurou a Secretaria de Segurança Pública (SSP-GO) e foi informado de que os dados de violência doméstica e feminicídio não são fragmentados no estado. Tais números referentes ao mês de dezembro só deverão ser divulgados no próximo ano.

O compilado de dados até setembro também não é animador e dá indícios do tamanho da problemática. Até o mencionado mês, 7.764 mulheres foram vítimas de violência doméstica em todo o estado. No mesmo período, 30 mulheres foram vítimas de feminicídio no território goiano.

Para Carla Monteiro, diretora do Centro de Valorização da Mulher, o Cevam, os números revelam o machismo instaurado e perpetuado na sociedade brasileira. Segundo ela, a violência tem traço forte na questão cultural e construção histórica de uma estrutura baseada em ideias deturpadas sobre as relações entre homem e mulher, em que há uma crença de soberania masculina e submissão feminina.

Conforme ela, o problema da violência doméstica remonta ao Brasil Colônia e falta histórica de direitos das mulheres. “Essa problemática não é de hoje. Constitucionalmente, a mulher só adquiriu cérebro e alma há 32 anos, quando conseguiu ser considerada um ser vivente, com CPF e direito a voto. Antes, éramos vistas como propriedade e só podíamos andar na rua ao lado do marido ou com uma autorização por escrito”, explicou.

A psicóloga Vera Morselli, especialista em família e casal, coaduna com Carla Monteiro. Para a profissional, o cerne da problemática está relacionada a uma cultura formada há séculos que cria homens para serem detentores do poder e mulheres para obedecer. “É uma estrutura enraizada. Os homens não conseguem lidar com a independência das mulheres. Não conseguir ouvir “não” e respostas negativas”, afirmou.

Explosão de feminicídios

De acordo com ela, a explosão de casos de feminicídio no Natal também pode estar relacionada à data comemorativa, que remete à confraternização em família. “Uma das semelhanças nos crimes é que as mulheres estavam em processo de separação, conseguindo sair da situação de violência, mas os autores não conseguiram lidar de forma racional com a perda”, disse.

E completou: “muitos casos de feminicídio ocorre quando o homem tenta reatar a relação e a mulher nega. Infelizmente ainda há aquele pensamento errado de posse: se não for minha, não será de ninguém”.

A psicóloga lembra, ainda, do ciclo da violência. Segundo ela, a primeira fase é marcada pelas tensões acumuladas no cotidiano, com ameaças e injúrias. A segunda fase é marcada pelo ataque violento, quando há violência física, psicológica e até sexual. Na sequência, há a chamada “lua de mel”, momento em que o agressor se desculpa e promete não cometer os crimes novamente. Conforme relata Vera, muitas mulheres acreditam nessa mudança e acabam chegando ao maior nível da violência, o feminicídio.

Falta de políticas públicas

Indignada com a falta de dados oficiais acerca de violência doméstica e feminicídio em Goiás no período natalino, a diretora do Cevam, Carla Monteiro, afirma que a estrutura do estado só demonstra a falta de cuidado e políticas públicas para mulheres no território goiano.

“A verdade é que não existe política para mulheres. Você só monta políticas públicas a partir de dados. Não é uma questão de achismo. É preciso dados para saber quais tipos de crime ocorrem, em quais regiões, qual estrato social e etário para, assim, montar políticas públicas efetivas”, criticou.

E acrescentou: “Qual programa você tem para que homens não estuprem? A sala rosa do IML e a Patrulha Maria da Penha são obrigatoriedades. Estão na Lei Maria da Penha e o estado não faz mais do que a obrigação. Política pública é algo sério, que demanda recurso, e não só assistencialismo”.

Em nota (confira íntegra abaixo), a SSP-GO afirmou que o levantamento de tais crimes contra mulheres não é feito de forma fragmentada e que os dados acumulados de 2020 devem ser apresentados na primeira semana de janeiro. A pasta ainda informou que tem adotado medidas para coibir os casos de violência doméstica.

Entre as ações estão fortalecimento da Patrulha Maria da Penha; ampliação de Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher (Deam’s); alerta Maria da Penha, que funciona dentro do aplicativo Goiás Seguro e pode ser baixado por qualquer Androide ou IOS; implantação da Sala Lilás para a realização de corpo de delito, bem como operações que tiveram como alvo suspeitos de agressão e estupro.

Educação e fortalecimento de mulheres

Carla Monteiro e Vera Morselli são unânimes quanto a uma possível mudança: educação. Para elas, somente através da educação será possível modificar a estrutura na qual vivemos, de submissão e sentimento de posse das mulheres.

“Precisamos lembrar que o centro da violência está ligado a uma questão cultural. Você não acaba com a violência apenas com atos de política de segurança. Isso serve para reprimir e diminuir. Para quebrar essa tradição é preciso educar da base, desde criança. Ainda temos muita coisa de machismo. Temos de superar tais pensamentos e ressaltar o respeito à vida humana”, afirma Carla.

Para Morselli, além de educar é preciso realizar trabalhos reflexivos para fortalecer mulheres em situação de violência, além de trabalhar a agressividade de homens suspeitos de violência. “O feminicídio e a violência doméstica são violações dos direitos humanos. Não se deve agredir e matar mulheres por uma questão de aceitação e respeito ao próximo. Não queremos ser iguais aos homens, queremos ter o direito como mulher respeitados”, concluiu.