Cientista político analisa o cenário
Samuel Straioto
A abstenção nas eleições municipais em Goiânia tem se consolidado como uma preocupação crescente ao longo da última década. Desde 2012, o número de eleitores que deixam de votar vem aumentando de forma expressiva, refletindo não apenas fatores sociais e políticos, mas também impactos de crises sanitárias, como a pandemia de covid-19 em 2020. A cada novo pleito, o desafio de mobilizar o eleitorado torna-se mais complexo, suscitando questionamentos sobre o engajamento cívico da população.
No primeiro turno das eleições de 2012, Goiânia registrou uma abstenção de 12,41%, com 105.587 eleitores ausentes. Esse índice mais que dobrou em 2020, quando a taxa de abstenção atingiu 30,72%, o equivalente a 298.362 eleitores. O cenário pandêmico, com maior flexibilização para justificativas de ausência e o receio generalizado de contágio, foi determinante para esse salto, posicionando a capital goiana com o terceiro maior índice de abstenção entre as capitais brasileiras naquele ano.
Para as eleições de 2024, os candidatos a prefeito terão de enfrentar o desafio de reverter essa tendência. A crescente desconfiança na política, o desgaste com promessas não cumpridas e a apatia do eleitorado exigem estratégias inovadoras para estimular a participação. Com a abstenção em alta, resta a dúvida: será que o número de eleitores ausentes continuará a crescer, ou finalmente veremos uma inflexão nessa curva?
Histórico de Abstenção em Goiânia (1º Turno)
• 2012: Eleitorado apto: 850.077; Abstenção: 12,41% (105.587 eleitores)
• 2016: Eleitorado apto: 957.161; Abstenção: 20,83% (199.408 eleitores)
• 2020: Eleitorado apto: 971.221; Abstenção: 30,72% (298.362 eleitores)
Com uma abstenção de 30,72%, Goiânia teve, no 1º turno das eleições de 2020, mais eleitores faltantes do que toda a população da cidade de Rio Verde, a quarta maior do estado.
Goiânia no 2º Turno das Eleições de 2020
• Abstenção: 36,75%
• Eleitores Faltantes: 356.947
Goiânia registrou a maior abstenção entre as capitais brasileiras no 2º turno das eleições municipais de 2020, superando cidades como Rio de Janeiro, Porto Alegre e São Paulo.
O Papel dos Candidatos e da Legislação Eleitoral
De acordo com o professor de Direito Eleitoral Alexandre Azevedo, a legislação eleitoral brasileira prevê instrumentos para aumentar a presença do eleitorado nas urnas. No entanto, ele ressalta que, na prática, o impacto dessas medidas é limitado. “A legislação eleitoral traz a questão da punição para o eleitor faltoso que não justificar sua ausência. Caso não compareça no dia da eleição, ele deve justificar, ou será penalizado com uma multa eleitoral. Essa multa, no entanto, é de valor simbólico”, explica Azevedo.
Na visão do professor, a penalidade financeira é tão leve que acaba criando uma percepção de que o voto é, de certa forma, facultativo. “Se o eleitor não justifica sua ausência, pode pagar uma multa muito baixa. Isso faz com que o voto, embora formalmente obrigatório, seja materialmente facultativo”, acrescenta. Segundo Azevedo, os candidatos e partidos têm papel fundamental para reverter o quadro de abstenção, devendo focar em campanhas que incentivem o eleitorado a participar ativamente do processo democrático.
Abstenção e o Custo da Informação para o Eleitor
O cientista político Guilherme Carvalho destaca que um dos principais fatores para a alta abstenção nas eleições municipais é o desinteresse do eleitor por esse tipo de pleito. “Eleições municipais são, de modo geral, menos atrativas para o eleitor do que as eleições gerais. O eleitor faz um cálculo racional de que os grandes problemas que ele enfrenta só serão resolvidos por meio de grandes soluções, que dependem de quem está no poder em Brasília”, explica Carvalho.
Além disso, Carvalho aponta para o aumento da polarização política nos últimos anos como um fator que reforça a abstenção em pleitos municipais. “Com o cenário de polarização crescente, as eleições locais não têm a mesma relevância na percepção dos eleitores. A ausência de figuras nacionais nas disputas locais faz com que o eleitor tenda a se abster, pois não vê nessas eleições a capacidade de resolver os grandes problemas que ele enfrenta”, completa.
Segundo Carvalho, a “curva de informação” nas eleições municipais também é um desafio. O custo de se informar adequadamente sobre candidatos e suas propostas pode ser percebido como alto demais pelo eleitor médio, que muitas vezes prefere não participar. “A dificuldade em entender as diferenças entre os candidatos e suas propostas faz com que o eleitor prefira se abster, o que contribui para o aumento das taxas de abstenção”, finaliza.
O Voto Obrigatório no Brasil
O voto no Brasil é obrigatório para os cidadãos maiores de 18 anos e menores de 70 anos, conforme estabelece o artigo 14, § 1º, inciso I, da Constituição Federal de 1988. No entanto, o que deveria ser uma ferramenta de fortalecimento da democracia, muitas vezes é questionado pela população, principalmente devido à percepção de que a obrigatoriedade não se traduz em uma escolha efetiva ou consciente. Para muitos especialistas, como o professor Alexandre Azevedo, o voto no Brasil é “formalmente obrigatório, mas materialmente facultativo”, uma vez que o não comparecimento pode ser facilmente justificado ou punido com uma multa simbólica.
Além da previsão constitucional, a obrigatoriedade do voto também está regulamentada em leis infraconstitucionais, como o Código Eleitoral (Lei nº 4.737/1965), que define as sanções para aqueles que não votam nem justificam sua ausência. Apesar de ser um mecanismo destinado a ampliar a participação, o voto obrigatório ainda gera debates sobre sua real eficácia na promoção de um processo eleitoral mais democrático e representativo.