Especialistas temem aumento da desigualdade
Entretanto, 55% da população está pouco ou nada informada sobre o modelo, segundo pesquisa do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e do Serviço Social da Indústria (Sesi). Entre os principais aspectos dessa reforma, podemos destacar o aumento da carga horária mínima para 1000 horas e a criação de trilhas ou itinerários formativos. Através deles, os estudantes poderão escolher conjuntos de disciplinas e atividades relacionadas a uma determinada área de conhecimento. Os itinerários são: Linguagens e suas Tecnologias; Matemática e suas Tecnologias; Ciências da Natureza e suas Tecnologias; Ciências Humanas e Sociais Aplicadas; e Formação Técnica e Profissional.
O conteúdo passa a ser dividido entre disciplinas obrigatórias (formação geral básica) e optativas (núcleo de flexibilização). As obrigatórias incluem Língua Portuguesa, Matemática, História, Geografia e Inglês. As demais disciplinas poderão ser escolhidas pelo estudante conforme seu itinerário. A reforma também prevê um aumento das escolas de tempo integral, com carga horária mínima de 1400 horas.
Estudantes poderão escolher parte da grade (Foto: Seduc)
Instigante no papel, a proposta divide educadores, pais e estudantes quanto à sua aplicabilidade devido às limitações das próprias escolas, tanto públicas como privadas, aumentando a desigualdade entre os alunos da rede estadual de ensino e os que frequentam colégios particulares. Outras questões também se impõem, como o fato de que o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) não deve ser reformulado, podendo ficar dissonante do modelo proposto pelas trilhas optativas de conhecimento.
A superintendente de Ensino Médio da Secretaria Estadual da Educação (Seduc), Osvany Gundim, está otimista apesar dos desafios. “Com o período pandêmico tivemos entraves, mas acredito que estamos caminhando bem para efetivar essa implementação”. Osvany afirma que o Estado tem conseguido até agora atender a demanda por profissionais e chama atenção para o concurso realizado no ano passado para a contratação de cinco mil professores.
Quanto às críticas em relação a disciplinas que tiveram a carga horária reduzida, Osvany declara que a Seduc “sempre teve muito zelo para executar todas as leis da forma mais compatível para todos. Quando penso em componentes curriculares que perderam aula na formação geral básica, dentro das eletivas do núcleo de flexibilização, criamos um núcleo dirigido para o acréscimo de carga horária desses componentes. Ele possibilita essa ampliação. E as trilhas já contemplam todos esses componentes. Primeiro eu vou considerar os anseios dos estudantes e depois vou ajustar a condição de oferta”, garante.
Impacto no Enem
O diretor de Formação do Sindicato dos Professores do Estado de Goiás (Sinpro), João Coelho, tem uma visão mais cética da situação, inclusive no andamento da implementação. “Os professores têm tentado se adaptar ao regime e incluindo as mudanças em seus planos de aula. Mas os efeitos de todo o processo não podem ser vistos agora, talvez daqui a dez anos, porque é todo um ciclo que tem que se desenvolver para que possamos ver os efeitos disso”, avalia o professor.
O docente também critica os interesses políticos por traz da reforma ao reduzir na grade disciplinas como sociologia, filosofia e artes. “Certos conhecimentos serão suavizados, mas quando o aluno for fazer o Enem ou outras provas de seleção, estes conhecimentos não serão suavizados. Se eu tiro matérias que estão no Enem e deixo os alunos escolherem, se o aluno fizer uma escolha equivocada ele pode ter prejuízo na prova”.
De fato, a prova do Enem é composta por questões de diversas áreas do conhecimento, incluindo Linguagens e Códigos, Matemática, Ciências Humanas e Ciências da Natureza. Se um estudante escolher um itinerário formativo que não enfatiza uma dessas áreas, ele pode ter mais dificuldades na hora de responder às questões correspondentes no exame.
O Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) é o órgão responsável pela organização da prova e nos últimos anos só fez algumas alterações superficiais ao exame, como a inclusão de novas competências e habilidades, o aumento do número de questões de Ciências Humanas e a aplicação da prova em dois dias consecutivos. No entanto, até o momento, não há informações oficiais de que o Inep esteja planejando alterações significativas nas provas do Enem, como a mudança do formato, conteúdo ou metodologia de avaliação.
“A tendência é que não se aprenda nada”
Miriam Fábia Alves, professora da Faculdade e Educação da Universidade Federal de Goiás (FE-UFG) e membro do Fórum Nacional Popular de Educação, relata que os temores apontados em 2016, quando a reforma ainda era uma proposta, estão se materializando na implementação. “Ela focou muito na questão curricular mas não responde aos históricos problemas que o Ensino Médio tem. As redes de ensino possuem uma série de limitações que não foram resolvidas”, diz Miriam, salientando questões como falta de profissionais e de infraestrutura.
“Os problemas históricos foram agravados e foram complicados por jovens que estão vindo aí de dois anos de pandemia já com várias dificuldades acumuladas”, aponta, salientando os dois anos de Ensino Remoto Emergencial que afetaram principalmente os estudantes mais pobres, com difícil acesso ao conteúdo, aos materiais e à internet. “[Então eu] acirro as desigualdades educacionais e aumento a desigualdade social, o acesso ao mercado de trabalho e aos bens culturais”, analisa.
Educadores defendem reformulação o revogação da lei (Foto: Marcelo Camargo/AB)
A professora também critica a falta de integração do modelo proposto, que amplia o leque de opções. Ao seu ver, o leque é tão grande que acaba por não dialogar entre si: “Temos um currículo muito fragmentado, levando à fragilidade da formação geral dos estudantes, que lhe assegure inserção no mercado de trabalho e a continuidade dos estudos. A tendência é que não se aprenda nada: nem formação geral, nem específica, nem profissional”.
Levando tudo isso em consideração, Miriam também afirma que há uma péssima questão de timing ao tentar forçar uma reformulação de grande escopo logo depois da pandemia e de um período bastante conturbado no cenário nacional. “É uma irresponsabilidade imensa com essa juventude e com o futuro da nação. Nesse momento, temos a oportunidade de fazer a diferença na formação desse jovem, mas se insiste em um formato que é ruim. É um momento muito ruim. Acho que nossa posição é clara contrária à reforma e que ela não deveria ser implementada agora. Uma mudança de fôlego desse tamanho impacta [toda a sociedade]. Não é o momento”, avalia.
Por fim, há movimentos em disputa nesse momento: alguns pedem revogação, outros pedem adequações, uma “reforma dentro da reforma” para corrigir diversos fatores, e outros ainda que acha que a reforma tem méritos importantes e que deveria ser implementada e testada.
O professor João Coelho enverada pelo caminho da adequação. “Teria que ser feita uma nova reforma colocando em pautas todos os problemas apontados, suspendendo esse novo Ensino Médio até que houvesse uma formulação que não colocasse os alunos em condições desiguais. Essa política pode trazer um prejuízo muito sério a longo prazo, tanto na educação pública quanto privada”, analisa. Miriam Fábia defende a revogação, mas reconhece ser o caminho mais improvável: “Mesmo se houver interesse por parte do MEC, ainda é algo que teria que passar pelo Congresso Nacional, o que é sempre mais complicado”.