Ao menos 25.911 postulantes a cargos de vereador, prefeito e vice-prefeito que concorreram em 2016 alteraram a raça para esta eleição. Destes, 10.454 que se declaravam brancos agora dizem ser pardos ou pretos.
Por Clara Velasco, Gabriela Caesar, Felipe Grandin, Thaís Matos e Thiago Reis, G1
Mais de 25 mil candidatos que concorreram na eleição de 2016 alteraram a raça declarada ao TSE no pleito deste ano. Destes, 40% deixaram de ser brancos e passaram a se considerar negros.
O número pode ser ainda maior, já que os partidos têm até este sábado (26) para fazer o registro das candidaturas, o que significa que a base no TSE ainda está incompleta. Há até agora 316 mil candidatos registrados.
O levantamento feito pelo G1 mostra que 10.454 candidatos que antes se declaravam brancos passaram a ser declarar negros (a soma de pardos e pretos, segundo definição do IBGE). Juntando com os amarelos e indígenas que também passaram a se declarar negros, o número sobe para 10.779 (ou 42% do total). O maior contingente é de brancos que agora dizem ser pardos. São 9.944.
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Mais de 25 mil candidatos mudam raça de uma eleição para outra — Foto: Aparecido Gonçalves/G1
Para especialistas, há três hipóteses para as mudanças de classificação de raça/cor entre os candidatos: aumento de identificação/consciência, erro de preenchimento e fraude.
O ministro Ricardo Lewandowski determinou que valerá já nas eleições deste ano a divisão proporcional de recursos e propaganda eleitoral entre candidatos negros e brancos, o que pode ter impactado nas mudanças.
O professor-assistente do departamento de ciência política da Universidade da Flórida Andrew Janusz acredita que “os brasileiros estão ficando mais conscientes de sua cor”. “Embora os políticos e a população tenham passado a se declarar negros, acho que geralmente eles têm motivos diferentes. Muitas vezes políticos brancos passam a se declarar negros quando é eleitoralmente útil.”
Mas ele diz que, na população, isso também se deve a uma maior instrução e a um maior acesso das pessoas. “Quando os indivíduos recebem educação, eles podem se fortalecer e abraçar identidades negras.”
Para o professor de ciência política da UFMG Cristiano Rodrigues, a tendência é que mais pessoas negras se candidatem, de fato, neste ano. “Houve nos últimos anos vários movimentos que levaram ao aumento das candidaturas negras”, afirma. “Um deles é o efeito Marielle. Ela se tornou um símbolo e tem motivado várias pessoas negras a entrar na política.”
“Neste ano, especialmente, também temos visto a questão racial ganhar espaço na mídia e no debate público tanto no Brasil quanto fora. E há uma reação ao governo federal, que tem adotado posturas que podem ser consideradas racistas ou que levam os negros a não se sentirem representados.”
O levantamento do G1 mostra ainda que 8.365 candidatos que se declaravam pardos agora dizem ser brancos. Outros 3.319 que se diziam pardos agora se declaram pretos. E 2.559 fizeram oposto: antes constavam como pretos e agora são pardos.
Há também 294 candidatos que se declaravam pretos e agora aparecem como brancos. Outros 510 que diziam ser brancos agora preencheram o dado como sendo pretos.
Rodrigues afirma que parte pode ser explicada pelas características do próprio sistema de classificação. “O próprio sistema de classificação é fluido. Não estou dizendo que não deve ser assim. Deve. Só que isso abre precedentes para que algumas pessoas façam uso errado.”
“De preto para pardo e vice-versa não altera a classificação de negro. O que interessa para distribuição de recursos é de branco para pardo ou preto”, diz.
“As mudanças de preto para pardo e de branco para pardo dizem respeito à fluidez da classificação racial. Já a passagem do preto para branco é mais complicada. Imagino que seja um problema no preenchimento. E de branco para preto é um indicativo de fraude”, afirma Rodrigues.
Janusz considera importante a questão de uma reserva de recursos para negros, mas não pensa ser essa uma solução definitiva. “Isso está resolvendo uma lacuna importante entre brancos e não brancos. No entanto, não acho que seja suficiente.”