Ministro falou durante cerca de oito horas e meia na CCJ do Senado sobre mensagens trocadas com Deltan Dallagnol, procurador da Lava Jato, vazadas por site
Por Veja on line
Depois de cerca de oito horas e meia, terminou a audiência na Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) do Senado em que o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, prestou esclarecimentos sobre os diálogos entre ele e o procurador da República Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba, vazados pelo The Intercept Brasil. Segundo o site, as mensagens no aplicativo Telegram foram enviadas entre 2015 e 2018 e mostram cooperação entre o então juiz e o procurador.
A ida de Sergio Moro à CCJ do Senado foi marcada a pedido do próprio ministro, após os primeiros vazamentos de mensagens pelo The Intercept. Na terça-feira 18, a CCJ do Senado também aprovou um requerimento para que Dallagnol seja convidado a depor — em data ainda não definida.
Aos senadores, o ministro reafirmou o caráter ilícito com que as mensagens divulgadas foram obtidas – ele usou diversas vezes a expressão “hackers criminosos” – mas disse não ter visto nenhuma irregularidade nos diálogos com Dallagnol. Para Sergio Moro, há movimentos de um “grupo criminoso” para anular condenações na Lava Jato, impedir investigações e atacar as instituições.
Aos senadores, Moro afirmou ainda que não teria problema em pedir demissão do cargo se ficasse comprovado que ele cometeu irregularidades.
“Estou absolutamente convicto das minhas ações como juiz. Se minhas comunicações com quem quer que seja sejam divulgadas, essa correção vai ser observada. Que o site apresente tudo para a sociedade ver se houve alguma incorreção. Não tenho apego pelo cargo em si. Se houve irregularidade de minha parte, eu saio. Mas não houve. Eu sempre agi na lei, de maneira imparcial”, disse Moro em resposta ao senador Jaques Wagner (PT-BA). O petista havia questionado sua permanência no cargo, sendo ele o chefe da Polícia Federal, que investiga os vazamentos.
O ministro declarou que o contato de juiz com promotores e advogados é algo comum na rotina do Judiciário. “É uma interlocução informal, que é normal em qualquer fórum de justiça. O dado objetivo é demonstrativo de que não há nenhuma espécie de conluio: foram 44 recursos em cima de 45 sentenças. Qual é a convergência [com o MPF]? Não quer dizer que eu, absolvendo alguém, tenha conluio com advogado e que, condenado alguém, tenha conluio com o Ministério Público. Quem foi condenado, foi condenado com provas”, disse Moro, que ressaltou a manutenção da maioria de suas sentenças em instâncias superiores.
O ex-juiz classificou como “sensacionalista” a divulgação dos diálogos e sugeriu que The Intercept Brasil entregue o conteúdo das mensagens para serem verificadas pelas autoridades. “O veículo, se quer que esses elementos sejam utilizados, vamos dizer, para punição dos envolvidos por esses supostos graves desvios éticos, tem que apresentar esses elementos para que eles sejam examinados e verificados”, disse o ministro.
Sergio Moro também relatou ter entregue seu aparelho celular para perícia da PF, mas que não interfere nas investigações. Ele, contudo, disse que não tem como disponibilizar as mensagens que foram trocadas porque parou de usar o aplicativo Telegram e descartou seus aparelhos antigos. “Não me recordo se eu mandei mensagens há dois ou três anos. Eu posso ter mandado, qual é o problema?”, respondeu ao ser indagado pelo senador Angelo Coronel (PSD-BA) sobre uma mensagem em que diz confiar no ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal. “Eu confio no STF”, completou.
A audiência transcorreu com poucos momentos de tensão entre o ministro e a oposição. Moro subiu o tom ao responder ao petista Rogério Carvalho (SE), que perguntou se ele, quando juiz, manteve contato com desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região para discutir processos. Carvalho ainda afirmou que o ministro teria pago por um treinamento para se preparar para a sabatina desta quarta. O ministro rebateu dizendo que o senador fez acusações graves e, portanto, deveria apresentar as provas.
Cid Gomes (PDT-CE) questionou a postura de Moro como “salvador da pátria” na Lava Jato enquanto juiz federal e ironizou o reconhecimento obtido pelo ex-juiz na operação oferecendo um doce ao perguntar se alguém sabia o nome do atual responsável pela 13ª Vara Federal de Curitiba — o juiz federal Luiz Antonio Bonat. O ministro disse que não houve sensacionalismo na operação e que suas decisões foram tomadas “com base na lei”.
Indagado pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL) se ainda concorda com todos os pontos das 10 medidas contra a corrupção, Moro afirmou que precisa “reavivar as memórias” sobre o projeto de lei, que prevê entre, outros pontos, o uso de provas ilícitas em ações criminais se obtidas de “boa-fé”.
Já o líder da oposição na Casa, senador Randolfe Rodrigues (REDE-AP), ficou entre os senadores que questionaram os motivos pelos quais Moro aceitou fazer parte do governo de Jair Bolsonaro. “O senhor poderia passar para história como o principal personagem do combate a corrupção no país, mas o senhor optou servir a um governo, o mais desastrado da história e que não é imune à corrupção”, criticou Randolfe.
Em sua resposta, o ex-juiz declarou que seu trabalho como juiz “esteve constantemente ameaçado por viradas de mesa” e que decidiu assumir o Ministério da Justiça e Segurança Pública “para consolidar os avanços contra a corrupção”.
Desmoronando
Reportagem de capa de VEJA publicada na semana passada mostra como a imagem de Moro como guardião da lei e da ordem ficou seriamente comprometida depois da divulgação de mensagens que ele trocou com o Dallagnol enquanto julgava os processos da Lava Jato.
Os diálogos são inequívocos: mostram o estabelecimento de uma relação de cooperação incompatível com a imparcialidade exigida por lei de qualquer juiz. Nas mensagens divulgadas ao longo da semana passada, o ex-juiz aparece orientando uma investigação da força-tarefa da Lava Jato sobre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cobra a deflagração de novas ações, antecipa uma decisão e sugere a publicação de uma nota pelo MPF para rebater o “showzinho” da defesa de Lula após um depoimento dele.
A dobradinha teria beneficiado os acusadores em detrimento dos acusados, desequilibrando a balança da Justiça e desrespeitando a equidistância entre juízes e as partes do processo. Para garantir a chamada paridade de armas entre defesa e acusação, o Código de Processo Penal (CPP) proíbe que julgadores e procuradores trabalhem juntos em busca de um resultado comum. A lei estabelece que o magistrado deve sempre declarar-se suspeito para julgar um caso quando, por exemplo, “tiver aconselhado qualquer das partes”.
Na noite desta terça-feira, 18, o The Intercept publicou novos diálogos de Telegram atribuídos a Moro e Deltan Dallagnol. No novo trecho divulgado, Moro se mostra preocupado a respeito de umainvestigação sobre o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que tratava de suposto caixa dois eleitoral pago pela Odebrecht na década de 1990.
Na troca de mensagens, que segundo o site ocorreu em 13 de abril de 2017, o hoje ministro afirma que os indícios de irregularidades envolvendo o tucano lhe pareciam “muito fracos”, sugere que o suposto crime já estaria “mais do que prescrito” e classifica como “questionável” o envio da investigação do Ministério Público Federal (MPF) em Brasília para o de São Paulo sem considerar a prescrição. “Acho questionável pois melindra alguém cujo apoio é importante”, teria escrito Moro a Deltan.