Feminicídio em Goiás subiu 58% de 2018 a 2022
Ludymila Siqueira
Sarah Nunes tinha 23 anos quando foi assassinada pelo marido em Aparecida de Goiânia. No primeiro momento, ele forjou que a vítima teria se matado. No entanto, após investigações da polícia, o homem se tornou o principal suspeito da morte dela. O caso foi registrado em novembro de 2022. O ex-marido da mulher chegou a ser preso, mas foi solto por ter a prisão temporária “expirada”, em dezembro do mesmo ano. A família da jovem pede por justiça. Ela deixou uma filha de 4 anos.
Tayná Pinheiro, 26 anos, cheia de sonhos e planos para o futuro, trabalhava como maquiadora. Ela foi encontrada, no dia 6 de março de 2022, com duas perfurações nas costas, já sem sinais vitais. A jovem foi assassinada no apartamento onde morava com o marido. Ele é o principal suspeito do crime. O caso foi registrado em Anápolis.
Juracy da Silva, de 54 anos, servidora pública da Prefeitura de Cavalcante. Ela foi encontrada morta dentro do banheiro de uma casa no município, no dia 1º de setembro de 2022. O ex-marido, de 56 anos, foi preso e confessou que cometeu o crime por não aceitar o fim do relacionamento.
Sarah Nunes, Tayna Pinheiro e Juracy da Silva (Foto: reprodução)
Três mulheres. Três vítimas. Três histórias. Todas têm os companheiros ou ex-companheiros como principais suspeitos da morte delas. Infelizmente, fazem parte do crescente número de casos de feminicídio em Goiás e no mundo.
Em 2022, o território goiano registrou o 4º ano seguido de alta em registros do crime, que é praticado por questões de gênero, ou seja, somente pelo fato de ser mulher. No mesmo ano, foram registradas 57 ocorrências do tipo. Segundo dados da Secretaria de Segurança Pública de Goiás (SSP), o valor representa um acréscimo de 58% em relação a 2018, quando houve 36 registros de feminicídio.
Delegada Cybelle Tristão, titular da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam) (Foto: reprodução)
Para a delegada Cybelle Tristão, titular da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam), o feminicídio tem como maior causa uma “sociedade arcaica” e enraizada em uma “cultura machista”, que dura há séculos. “É uma questão que só será resolvida com investimentos em educação, com a tentativa de desconstruir essa realidade trágica. Questões socioculturais estão diretamente vinculadas ao crescimento do feminicídio”, destaca em entrevista ao jornal A Redação.
“Apesar de termos evoluído historicamente, infelizmente,
o homem ainda tem a ideia de ser dono da mulher.
De que ela é um objeto, mas não é.
Ainda há a crença da violência ser apenas física,
no entanto, ela ocorre de forma psicológica,
verbal, patrimonial, entre outros.
o homem ainda tem a ideia de ser dono da mulher.
De que ela é um objeto, mas não é.
Ainda há a crença da violência ser apenas física,
no entanto, ela ocorre de forma psicológica,
verbal, patrimonial, entre outros.
(Cybelle Tristão, titular da Deam, para o AR)
O que a lei diz sobre o feminicídio?
A presidente da Comissão da Mulher Advogada da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Goiás (CMA-OAB-GO), Fabiola Ariadne, explica que alguns fatores precisam ser levados em consideração para tipificar o crime. Um deles é se o homicídio se deu em razão de violência doméstica e familiar ou menosprezo à condição de mulher.
Presidente da Comissão da Mulher Advogada da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Goiás (CMA-OAB-GO), Fabiola Ariadne (Foto: reprodução)
“Nem todo crime praticado contra a mulher é feminicídio. Por exemplo: no latrocínio, roubo seguido de morte, não há feminicídio, a pessoa foi assassinada por causa de um bem, um objeto. Mas, um marido que assassinou a companheira porque ela se separou dele, é um feminicídio”, ressalta.
Em 2020, a Lei 2.848/40 estabeleceu o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio. Com isso, a pena para quem o comete pode variar de 12 a 30 anos de prisão.
Para Fabíola, apenas o recrudescimento de penas como medida contra o feminicídio não é mais aceitável. Segundo a advogada, é preciso falar sobre as raízes profundas do problema: a desigualdade de gênero que intersecciona com o racismo, inclusive. “Não vamos tirar o atraso de séculos apenas com alterações legislativas, estas são muito importantes, mas outras políticas públicas precisam ser implementadas”, pondera ao AR.
Filhos das vítimas de feminicídio têm direitos em lei. O dever do genitor em prover os filhos continua e, desta forma, é devida pensão alimentícia. Além disso, eles têm direito a pensão por morte em caso de a genitora ser assegurada pela previdência. Em Estados como São Paulo e Pernambuco, há leis que garantem um auxílio a filhos de órfãos por causa de feminicídio.
Feminicídio: um crime que desafia a segurança pública
Durante a apresentação dos indicadores criminais da SSP-GO na semana passada, o secretário de Segurança Pública, Renato Brum, destacou que o maior desafio ainda é o combate ao feminicídio. “Em 2023, a Polícia Civil e a Polícia Militar vão reforçar o trabalho executado pelo Batalhão Maria da Penha e delegacias especializadas em crimes contra a mulher. Vamos mostrar que não há impunidade. Os agressores têm que ir para a cadeia”, afirma.
(Foto: Agência Brasil)
Ao A Redação, a titular da Deam, delegada Cybelle Tristão, destaca que a implementação de políticas públicas, tanto enérgicas e repressivas, como o endurecimento de leis e medidas de segurança, quanto ações preventivas, são fundamentais para garantir a redução desse tipo de crime, não só em Goiás, mas no mundo.
“Acredito que políticas de prevenção são muito necessárias, com investimentos na educação, levar para as escolas o assunto. Criar projetos que trabalhem sobre o tema dentro das instituições de ensino”, ressalta ao reafirmar a necessidade da construção de casas abrigos, para acolher mulheres que precisam sair do local onde sofrem agressão, a criação de mais juizados da mulher, entre outras medidas para coibir o feminicídio.
(Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)
A presidente do CMA, da OAB-GO, Fabíola Ariadne, compartilha do mesmo pensamento da delegada Cybelle Tristão. “Mudança de cultura e comportamento em relação às questões de gênero devem ser cada vez mais discutidas. Não superaremos a discriminação e, a sua pior consequência, a violência de séculos, se não tivermos educação e mudanças na cultura patriarcal e machista que objetifica a mulher, gerando o sentimento de posse sobre ela, que controla o corpo, que tolhe a sua autonomia e desejos, e limita sua emancipação”, declara.
Denúncia: ajuda que pode salvar vidas
Muitas pessoas costumam dizer que ‘em briga de marido e mulher, não se mete a colher’. Essa afirmação não deve ser levada em consideração, uma vez que uma simples denúncia pode salvar uma vida”. A afirmação é da delegada Cybelle Tristão em entrevista ao jornal A Redação.
(Foto: Agência Brasília)
Além dos canais tradicionais como o 180, da Central de Atendimento à Mulher, o 197 (Polícia Civil) e 190 (Polícia Militar), o Estado de Goiás passou a receber denúncias on-line, uma forma que independe do laudo pericial no primeiro momento. O sinal vermelho, que é um x desenhado na mão da mulher, também é uma das formas sutis de informar que está sendo vítima de agressão. Cartórios e drogarias recebem denúncias de violência doméstica através do sinal. A denúncia pode ser feita de forma anônima.