Jornal do Peninha

Opinião e informação

Plano do MPGO visa controle e prevenção de desastres ambientais em Goiás

Trabalho de fiscalização é intensificado

José Abrão

Os impactos das mudanças climáticas tornaram-se alarmantes em todo o mundo em 2024, e Goiás não ficou imune a essa realidade. O estado sofreu principalmente com incêndios florestais de grandes proporções. Dados da Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) revelam que os focos de calor em Goiás saltaram de 126 em janeiro para impressionantes 3.111 em setembro.

As áreas devastadas aumentaram drasticamente, passando de 2.455 hectares destruídos em janeiro para 162.138 hectares apenas em agosto. Em setembro, Goiás registrou um aumento chocante de 868% nos focos de incêndio em comparação com o mesmo período de 2023, contabilizando 2.408 focos até o dia 12 do mês. Incêndios de grandes proporções foram registrados em importantes parques do estado, incluindo a Serra dos Pirineus, a Serra Dourada, a Chapada dos Veadeiros e a área do Parque Altamiro de Moura Pacheco, na Grande Goiânia.
Diante desse cenário, o Ministério Público de Goiás (MPGO) lançou um projeto institucional para abordar os incêndios florestais e os impactos das mudanças climáticas no estado.
O promotor de Justiça Juliano de Barros Araújo, que atua em Goiânia em questões relacionadas ao meio ambiente, urbanismo e patrimônio cultural, e é coordenador do Grupo de Atuação Especial do Meio Ambiente (Gaema), enfatiza a importância da conscientização. “Nossa intenção não é apenas fiscalizar, mas sim atuar em conjunto com a sociedade. Precisamos evitar que esse problema se repita no futuro, principalmente envolvendo os produtores rurais, que são diretamente afetados. É fundamental que eles se conscientizem, para que possamos prevenir novos incêndios nos anos seguintes”, afirma.
O promotor Juliano Araújo (Foto: acervo pessoal)

 

“Nós temos várias iniciativas relacionadas às mudanças climáticas. Uma delas é uma ação proposta contra o Estado, na qual exigimos a implementação do plano de controle da poluição veicular e a análise da variável ambiental nos processos de licenciamento, entre outras medidas que estamos buscando”, relata. “Recentemente, em decorrência das queimadas que vêm ocorrendo, criamos um grupo especial focado em meio ambiente, o Gaema. Esse grupo atua em todo o Estado, apoiando e orientando os promotores de Justiça. Com base nessa atuação, estabelecemos um procedimento para prevenir as queimadas”, complementa.
Para isso, foram definidos eixos de atuação. O primeiro visa a implementação das defesas civis municipais e brigadas de combate a incêndios em todos os municípios do Estado, para que realizem o primeiro combate localizado. Outra medida é a exigência de ações preventivas nas unidades de preservação e parques, incluindo planos de manejo e controle do fogo, além de planos de contingência durante incêndios para cada unidade de conservação estadual.
Além disso, buscamos trabalhar junto às concessionárias e ao governo estadual para que rodovias e ferrovias desenvolvam planos de manejo e controle do fogo, com o objetivo de evitar incêndios e aumentar a segurança dessas vias. “Isso é o que chamamos de aceiros de cerca a cerca, que impedem a proliferação de incêndios que se iniciam às margens das rodovias”, resume.
Fumaça de queimadas escure Goiânia (Foto: José Abrão/A Redação)


O promotor destaca a importância do mapeamento dos locais mais afetados pelos incêndios em Goiás nos últimos três anos, uma iniciativa que visa compreender a recorrência do fogo nessas áreas e determinar regiões prioritárias para intervenção. “Além disso, esse trabalho nos permite identificar os responsáveis pelos incêndios e buscar a devida responsabilização, seja ela civil ou penal”, afirma.
O núcleo também se encarregará de orientar os promotores sobre as ações necessárias para acompanhar a efetiva recuperação ambiental após a responsabilização. “Em alguns casos, será necessário realizar o replantio e a recuperação de áreas degradadas, e tudo isso precisa ser monitorado. Nossa atuação está alinhada com as recentes orientações do Conselho Nacional do Ministério Público”, conclui.


As mudanças climáticas chegaram

O professor Nilson Clementino Ferreira, da Escola de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade Federal de Goiás (Eeca/UFG), integra o Núcleo de Estudos e Pesquisa em Ciência do Fogo (Nepef), vinculado ao Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (Lapig) do Instituto de Estudos Socioambientais (Iesa/UFG).
Como o nome sugere, o núcleo se dedica ao estudo e ao mapeamento da ocorrência de fogo no Cerrado goiano, incluindo a análise da intensidade do incêndio, um aspecto ainda pouco explorado na pesquisa. A intensidade do fogo pode variar conforme a época do ano e o tipo de vegetação, influenciando diretamente a capacidade de recuperação do bioma após um incêndio. O professor explica que os incêndios que ocorrem no final da seca estão entre os mais intensos e, consequentemente, os mais destrutivos, dificultando a regeneração das grandes áreas consumidas.
“Ao longo de milhões de anos, a vegetação do Cerrado se adaptou ao fogo. Ao observar uma árvore típica da região, é possível notar suas cascas grossas e raízes profundas, que são estratégias desenvolvidas para enfrentar o fogo. No entanto, essa adaptação tem seus limites”, alerta o professor.

 

Professor Nilson Ferreira (Foto: acervo pessoal)

 

Nilson ressalta que não há dúvidas de que os fenômenos climáticos deste ano são consequência das mudanças climáticas. “Esses eventos extremos não ocorrem apenas no Brasil. A principal evidência da mudança climática é o aumento na frequência desses eventos extremos”, afirma. Exemplos incluem os furacões Helene e Milton, que ocorreram quase simultaneamente nos Estados Unidos, e as enchentes no Rio Grande do Sul, que devastaram a região em setembro de 2023 e novamente em janeiro de 2024. Vale destacar que a última ocorrência extrema registrada antes dessas foi em 1941.
Em Goiás, com a aproximação do período chuvoso, Nilson destaca a expectativa de tempestades mais intensas, o que representa um cenário preocupante após os incêndios. “A chuva forte que cai em poucos minutos não é absorvida pelo solo e não reabastece os aquíferos. Isso pode contribuir para um período de seca mais prolongado no ano seguinte. É um quadro alarmante que precisamos observar com atenção”, explica.
O cenário ideal seria o de chuvas frequentes e moderadas, que alimentam os aquíferos, córregos e rios. “Contudo, não está infiltrando tanta água quanto antes. Se não houvesse reservatórios, Goiânia enfrentaria sérios problemas de abastecimento de água neste ano. A situação é realmente preocupante”, finaliza.


Se adaptar ou sofrer
Diante do aumento vertiginoso no número de incêndios e das adversidades climáticas mais severas, o promotor Araújo avalia que são necessárias ações mais contundentes, pois, de certa forma, estamos correndo atrás do prejuízo. “Acredito que muitas das ações não foram implementadas anteriormente devido à nossa cultura. Não estamos preparados para as mudanças climáticas. Agora, neste momento, a sociedade está começando a despertar para essa realidade”, comenta.

Incêndio em Aparecida de Goiânia (Foto: reprodução/redes sociais)

 

Ele enfatiza que as políticas de prevenção e controle precisam ser adotadas de forma permanente: “Isso é para sempre. Este é o novo normal. Estamos tentando mobilizar a sociedade e o poder público para que adotem ações de maneira contínua.”
“O papel dessa mobilização é de toda a sociedade. O que buscamos fazer é coordenar as ações e tentar materializar, ao máximo, o impacto das mudanças climáticas para a população. Não adianta cobrar se as pessoas continuam ateando fogo”, ressalta Araújo. “Esse era um tema que parecia abstrato para muitos. Quando se falava em mudanças climáticas, as pessoas não compreendiam como isso poderia afetá-las. Agora, temos duas maneiras de aprender: ouvindo ou sofrendo”, enfatiza.