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Situações fiscais e políticas desafiam “lua de mel” de Mabel em Goiânia

Prefeitura tem déficit estimado em R$ 1,5 bi 

A situação financeira é alarmante, com um déficit estimado em R$ 1,5 bilhão, o que torna evidente que a tradicional “lua de mel” política — aquele período de trégua e apoio inicial que costuma acompanhar novos governantes — tende a ser breve e instável para o novo prefeito.
Lua de mel política em risco
A previsão de que a lua de mel de Mabel com a população e seus aliados será curta não se baseia em pessimismo infundado. O cientista político Guilherme Carvalho alerta que a urgência dos desafios enfrentados pela cidade, especialmente na área fiscal, não permitirá que o novo prefeito desfrute de um período longo de tranquilidade para se estabelecer politicamente.
“Não acredito que haverá muito tempo para uma lua de mel. As dificuldades são enormes, principalmente em relação ao pagamento dos servidores, com destaque para os da educação, que são os mais afetados”, analisa Carvalho.
Essa avaliação reflete o ambiente tenso que Mabel encontrará ao assumir a prefeitura. A expectativa de solução rápida para problemas salariais, infraestrutura e serviços básicos já coloca pressão sobre o novo prefeito antes mesmo de sua posse.

Ao herdar uma administração financeiramente debilitada e com atrasos frequentes no pagamento de servidores e fornecedores, a capacidade de articulação política de Mabel será posta à prova desde o início.

“A lua de mel vai durar até o momento em que ele conseguir organizar a parte financeira da cidade. Caso contrário, ele enfrentará resistência rapidamente”, completou o cientista político.


A urgência dos ajustes fiscais
Entre os muitos desafios de Mabel, o mais imediato será o ajuste fiscal necessário para equilibrar as contas da cidade. A prefeitura de Goiânia, segundo levantamentos preliminares, acumula um déficit de aproximadamente R$ 1,5 bilhão, somado a dívidas com funcionários terceirizados e empresas contratadas que, sem pagamento, ameaçam suspender seus serviços.

“Mabel assume uma prefeitura com cofres estrangulados e terá que pedir paciência aos vereadores para ajustar o orçamento e tentar reverter essa situação”, disse Carvalho.

A situação se agrava com a pactuação da Lei Orçamentária Anual (LOA), na qual Mabel terá de negociar com uma Câmara Municipal composta por vereadores — novos e reeleitos — que não abrirão mão de incluir suas emendas e demandas no orçamento de 2025.

“Os vereadores vão querer garantir seus espaços no orçamento e Mabel, por sua vez, precisará cortar gastos e conter despesas. Isso vai gerar atritos logo no início da gestão”, explicou o cientista político.

Para Carvalho, o enfrentamento da crise fiscal será inevitável, e o futuro prefeito terá que demonstrar grande habilidade política para evitar um bloqueio completo nas negociações com o Legislativo.

Saúde e educação: dois gargalos à espera de solução

A crise financeira não é o único problema herdado por Mabel. Goiânia enfrenta há anos problemas graves nas áreas de saúde e educação, que foram agravados durante a gestão de Rogério Cruz. O colapso iminente na saúde pública é um dos exemplos mais visíveis dessa deterioração.

Hospitais como a Santa Casa enfrentam crises profundas, com risco de fechamento por falta de pagamento a empresas terceirizadas e atrasos nos repasses governamentais.

“A situação da saúde é caótica, e Mabel vai herdar esse caos. Os problemas não são de agora, mas se agravaram recentemente, e a falta de recursos financeiros torna quase impossível uma solução rápida”, afirmou Carvalho.

Além disso, os servidores da educação têm sofrido com atrasos salariais recorrentes, o que coloca essa categoria como uma das mais insatisfeitas com a gestão pública. Para o novo prefeito, esse será um dos maiores desafios logo no início de sua administração.

“Os servidores da educação estão entre os mais sacrificados, e Mabel já admitiu a dificuldade de garantir o pagamento desses profissionais. Isso pode gerar um desgaste político muito rápido, antes mesmo de qualquer ação mais estrutural”, analisou o cientista político.

Com a combinação de crise na saúde e na educação, Mabel enfrenta uma tempestade perfeita que pode desestabilizar sua gestão antes de qualquer iniciativa mais propositiva. As demandas urgentes dessas duas áreas tendem a drenar o pouco espaço orçamentário que a nova administração terá, forçando o prefeito a escolher entre investimentos estruturais e a simples manutenção dos serviços essenciais.


Promessas de campanha em segundo plano

Durante sua campanha, Sandro Mabel apresentou uma série de propostas ambiciosas, com destaque para iniciativas voltadas à reestruturação urbana e ao enfrentamento das mudanças climáticas. Uma das principais ideias do prefeito eleito foi a reformulação das calçadas da cidade, tornando-as permeáveis para ajudar no escoamento da água das chuvas e evitar enchentes. Além disso, Mabel prometeu repensar o uso dos espaços públicos, modernizar a infraestrutura de transportes e promover uma gestão mais sustentável e inclusiva.

Entretanto, a realidade fiscal que o prefeito eleito encontra ao assumir a prefeitura impõe barreiras a essas promessas. De acordo com Carvalho, os projetos propositivos de Mabel terão que ser adiados, pois o foco inicial de sua gestão será consertar os erros e gargalos deixados por Rogério Cruz.

“Mabel tinha uma agenda propositiva interessante, mas ele terá que deixá-la em segundo plano, pelo menos inicialmente. Ele precisará gastar tempo e recursos consertando os problemas herdados, antes de poder implantar suas próprias reformas”, afirmou o cientista político.

As promessas de inovação urbana, tão presentes durante a campanha, agora parecem distantes, já que a prioridade de Mabel será estabilizar as finanças municipais e garantir o funcionamento dos serviços públicos básicos. O desafio será conseguir equilibrar essas necessidades imediatas com a pressão para que ele implemente as mudanças prometidas.


O jogo político com a Câmara: uma relação delicada

A relação entre o Executivo e o Legislativo será outro campo de batalha importante para Mabel nos primeiros meses de sua administração. Com uma Câmara Municipal composta por vereadores ansiosos para garantir suas emendas e projetos, o prefeito eleito precisará de toda a sua experiência política para articular apoios e evitar um bloqueio legislativo. “Os vereadores vão pressionar para inserir suas emendas na LOA, e Mabel terá que fazer cortes e contingenciamentos. Isso gerará conflitos políticos logo no início”, disse Carvalho.

Um dos mecanismos tradicionais utilizados por prefeitos para manter a governabilidade é a distribuição de cargos e espaços dentro da administração pública. No entanto, Carvalho acredita que, embora essa estratégia possa funcionar por um curto período, não será suficiente para garantir o apoio a longo prazo.

“A distribuição de cargos pode acalmar os ânimos momentaneamente, mas a pressão popular sobre os vereadores para que eles cobrem soluções será inevitável. E, quando isso acontecer, Mabel precisará de muito mais do que cargos para garantir apoio”, analisou o cientista político.

Mabel terá que lidar, portanto, com uma relação delicada com o Legislativo, onde cada concessão pode significar uma perda de controle sobre o orçamento e uma diminuição de sua capacidade de ação. A habilidade política e o timing serão fundamentais para evitar um desgaste precoce nas negociações com a Câmara.


O marco dos 100 dias

Sandro Mabel tem defendido o marco dos 100 dias como uma espécie de meta simbólica para sua gestão. Ele repetiu durante a campanha que pretende apresentar resultados concretos nesse período, mostrando à população que sua administração será eficiente e resolverá os problemas de Goiânia. Contudo, para Carvalho, essa estratégia pode ser um tiro no pé, considerando o cenário que Mabel enfrentará.

“Os 100 dias são um período muito curto, especialmente para uma cidade que está em crise. Mabel já entra pressionado, e as expectativas que ele mesmo criou podem se voltar contra ele”, explicou o professor.

Carvalho destacou que Mabel deveria ter adotado uma postura mais cautelosa, distanciando-se dos problemas da gestão de Rogério Cruz e evitando assumir responsabilidades logo de cara.

“Eu vejo como um erro estratégico ele se afobar tanto para resolver os problemas herdados. Mabel deveria ter tirado um tempo para se afastar dessas questões e deixado claro que a culpa é da gestão anterior. Ao fazer isso, ele poderia ter ganho tempo e margem de manobra para enfrentar os desafios”, analisou o cientista político.

Ao apostar todas as suas fichas nos primeiros 100 dias, Mabel pode acabar gerando expectativas irreais, que, se não forem cumpridas, poderão desestabilizar sua base de apoio e enfraquecer sua posição política.


O futuro incerto

Para Guilherme Carvalho, o futuro político de Sandro Mabel dependerá de sua capacidade de articulação e de sua habilidade para lidar com a pressão de um cenário econômico desafiador. Sem dinheiro no caixa e com problemas estruturais urgentes, Mabel terá que mostrar resiliência e capacidade de adaptação para sobreviver politicamente.

“Sem recursos, Mabel terá que ser extremamente habilidoso. Ele pode surpreender com sua experiência de gestão, mas não será fácil”, concluiu Carvalho.