Presidente havia prometido cancelar assinaturas e também ameaçado anunciantes do jornal
Fonte: Folha de S Paulo
A Presidência da República excluiu a Folha da relação de veículos nacionais e internacionais exigidos em um processo de licitação para fornecimento de acesso digital ao noticiário da imprensa.
No dia 31 de outubro, o presidente Jair Bolsonaro anunciou que havia determinado o cancelamento de todas as assinaturas da Folha no governo federal.
Edital do pregão eletrônico publicado nesta quinta-feira (28) no Diário Oficial da União prevê a contratação por um ano, prorrogável por mais cinco, de uma empresa especializada em oferecer a assinatura dos veículos à Presidência.
A lista cita 24 jornais e 10 revistas. A Folha não é mencionada. O pregão eletrônico, marcado para 10 de dezembro, tem um valor total estimado de R$ 194 mil: R$ 131 mil para jornais e R$ 63 mil para revistas.
O edital prevê, por exemplo, 438 assinaturas de jornais, sendo 74 de O Globo e 73 de O Estado de S. Paulo. Em relação às revistas, a exigência é de 44 acessos digitais à Veja, 44 à IstoÉ, além de 14 à Carta Capital. Também estão no edital veículos internacionais, como o The New York Times e o El País.
“O governo federal age contra os princípios da moralidade e impessoalidade que devem nortear a administração pública. Com a atitude, agride toda a imprensa brasileira, e não apenas a Folha“, diz Taís Gasparian, advogada da Folha.
O documento publicado nesta quinta-feira especifica que a contratação das assinaturas é necessária devido a uma “real necessidade” ao acesso de informações de maneira “rápida, precisa e confiável”, fornecendo “subsídios fundamentais para a tomada de decisões” e possibilitando a “tempestiva produção de contrarrespostas”.
“Tendo em vista que as ações deste órgão são continuamente matérias de divulgação ampla na mídia nacional”, diz o edital.
A empresa vencedora deverá fornecer login e senha para acesso a um veículo de imprensa. A Presidência exige acesso irrestrito aos veículos, incluindo aos materiais exclusivos.
Procurada pela Folha, a Presidência da República ainda não informou o motivo da ausência do jornal no processo de licitação e o critério técnico adotado.
“Determinei que todo o governo federal rescinda e cancele a assinatura da Folha de S.Paulo. A ordem que eu dei [é que] nenhum órgão do meu governo vai receber o jornal Folha de S.Paulo aqui em Brasília. Está determinado. É o que eu posso fazer, mas nada além disso”, disse Bolsonaro, em entrevista à TV Bandeirantes, em 31 de outubro.
À época, entidades de imprensa se manifestaram contra a declaração de Bolsonaro. Além de repudiar a fala, organizações que representam o setor e a sociedade civil consideraram que a medida atenta contra a liberdade de expressão e os princípios que regem a administração pública.
O presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Felipe Santa Cruz, por exemplo disse que “mais uma vez o presidente demonstra seu pouco apreço ao livre debate, essencial à democracia, e sua intolerância com o contraditório”.
Já Marcelo Rech, presidente da ANJ (Associação Nacional de Jornais), lamentou o fato de o presidente ter optado por um caminho que significará menos pluralidade e informação profissional para o serviço federal.
Também na ocasião, o Ministério Público de Contas, que atua perante o TCU (Tribunal de Contas da União), pediu à corte que apure possível desvio de finalidade na ordem dada pelo presidente. Em representação, o subprocurador-geral do órgão junto ao tribunal, Lucas Rocha Furtado, pediu também que a determinação fosse suspensa por meio de uma medida cautelar.
Nesta quinta, Furtado criticou a decisão de Bolsonaro. “Não conheço como alguém pode simplesmente ser excluído de uma licitação”, disse. Com base na representação, o tribunal abriu um processo para analisar a conduta do presidente. O caso ainda não foi julgado.
O deputado Paulo Teixeira (PT-SP) afirmou que protocolará nesta sexta (29) uma representação contra o governo federal na PGR (Procuradoria-Geral da República). “Acho que fere princípios constitucionais, principalmente o da impessoalidade. As licitações não podem excluir nenhum tipo de concorrente”, disse. “E é um ataque frontal à liberdade de expressão e de imprensa.”