Felipe Pinheiro
Do UOL, em São Paulo
Filho do sertanejo Solimões, Gabriel Felizardo, de 21 anos, se lançou como cantor de pocnejo, estilo que ele mesmo propagou, com a música “Amor Rural”, cuja letra conta a história de dois homens apaixonados que decidem não mais esconder o que sentem um pelo outro.
O enredo da canção se assemelha à experiência vivida por Gabriel, que decidiu “sair do armário” cerca de cinco anos atrás ao se assumir para a família. Em entrevista ao UOL, ele diz que o namorado, o roteirista Well Bruno, teve participação importante na recente carreira musical.
“Quando estávamos começando a ficar ele teve um choque ao descobrir que sou filho do Solimões. Como já sabia que eu cantava, ele me mandou na zoeira o refrão da música, ‘vamos assumir nosso amor rural’. Eu falei, ‘meu Deus, isso é muito engraçado. É incrível'”, conta Gabriel, que a partir do primeiro verso criado pelo namorado escreveu o restante da música.
Para o videoclipe, Gabriel adotou um estilo próprio: usando camisa de oncinha, jaqueta jeans e chapéu de cowboy, ele incorpora o pocnejo (união das palavras sertanejo e poc, gíria carinhosa utilizada pela comunidade LGBT para se referir a gays mais alegres). Ele explica que definição do gênero se encaixou perfeitamente no trabalho proposto.
“Alguém falou a expressão no Twitter, eu retuitei e pegou!”, diz. Mas afinal, o que significa exatamente o pocnejo? O cantor cresceu ouvindo sertanejo raiz e na adolescência (“como uma boa poc”, ele brinca) se influenciou pelas divas pop. Assim como o feminejo encabeçado por Marília Mendonça e companhia surgiu como opção dentro da música sertaneja, o pocnejo é uma outra vertente do gênero.
“O meio sertanejo é muito masculino e totalmente heterossexual. Os maiores nomes são homens héteros e as mulheres chegam para falar da sofrência, do amor, de bebedeira, mas da perspectiva delas. O pocnejo chega com esse papel de mostrar outra perspectiva. É um garoto gay cantando sobre outro homem, mas continua sendo o amor, a sofrência. Essa é a essência do sertanejo”, explica.
O cantor tem entre as principais referências as duplas Rio Negro e Solimões, Chitãozinho e Xororó, Milionário e José Rico, além da Banda Uó e sua diva maior, a cantora country Shania Twain. Ele diz que o sonho de se dedicar à música é antigo, mas a decisão de seguir os passos do pai só veio após uma boa dose de coragem.
“Quando a Pabllo Vittar teve aquele boom, muitas outras drags surgiram e eu passei a ver gays em outros estilos, como o rap. E pensei, ‘por que não tem isso no sertanejo, um gay na fazenda ou sofrendo de amor num bar e tomando uma pinga?’. Ao mesmo tempo em que achei uma ideia genial, também era muito arriscado. Eu não tinha uma referência. Poderia ser um tiro no pé e dar tudo errado”, diz.
O clipe da música repleta de duplos sentidos e também um tanto brega, como ele mesmo reconhece, viralizou e em pouco tempo superou todas as expectativas de Gabriel e do namorado. Em dez dias o vídeo já ultrapassou 309 mil visualizações no YouTube.
“Tínhamos colocado uma meta de 20 mil views em um mês. Em uma semana já tinha 200 mil. Ficamos muito felizes e também muito assustados. Está sendo maravilhoso. As pessoas entenderam a essência do pocnejo”, comemora ele, que planeja agora se apresentar com um pocketshow.
Assista ao clipe de “Amor Rural”:
Solimões: “Isso é trem de doido!”
O cantor Solimões e o filho, Gabriel FelizardoImagem: Reprodução/InstagramGrande incentivador da carreira do filho, Solimões somente conheceu a música “Amor Rural” no momento da gravação no estúdio em Franca (São Paulo), onde vive a família do sertanejo. Gabriel mora em São Paulo, mas se deslocou ao interior para gravar a canção.
“Pensei, ‘se ele gostar ou não gostar é a vida’. Quando eu cantei ele não esperava. Ele falou, ‘gente, isso é trem de doido'”. Não falou no sentido de horrível, mas que achou ousado. Ele disse que achou a letra muito inteligente, me deu umas dicas de técnicas vocais e me apoiou bastante”, conta.
Segundo o cantor, que em suas palavras cresceu como “uma criança viada”, a decisão de sair do armário facilitou bastante a sua vida.
“Depois que eu me assumi as coisas se tornaram mais fáceis, mas eu falo de uma perspectiva só minha, como filho de uma pessoa famosa, branco, privilegiado… A minha relação com a minha família melhorou porque eu me senti mais leve. Eu era uma pessoa mais fechada e infeliz, então melhorou muito. Mas entendo que para muitas pessoas as coisas não melhoram e às vezes até pioram”, afirma Gabriel.